quarta-feira, 23 de abril de 2008

O SILÊNCIO DOS AMANTES

RESENHA
Ernani Xavier


UM TRATADO SOBRE A INCOMUNICABILIDADE

O silêncio dos amantes marca uma volta de Lya Luft ao gênero da ficção. São vinte contos que, em essência, tratam da intercomunicação pessoal-amorosa, mexe com aquilo que os amantes deixam de expressar e perceber entre si. Para a autora as conseqüências deste bloqueio são as mais terríveis e invariavelmente causa de muitas separações. “Quando meu filho tão querido sumiu... matou-se... Essa foi a sua verdadeira morte: nossa relação tão especial era mentira. A boa vida familiar era falsa. Andávamos sobre uma camada fina de normalidade. Por baixo corriam rios de sombra que eu não queria ver. Ele, meu filho tão extraordinariamente amado, era irremediavelmente sozinho - eu, que me considerava a melhor das mães, de nada adiantei....” Trecho do conto A Pedra da Bruxa, conto que abre o livro. A figura do Pai, neste conto, quase sempre “atrasado” por motivos de compromissos, adia uma conversa com o filho mais novo – com quem nunca mais terá a oportunidade de falar, pois o menino desaparece misteriosamente. O mistério é componente importante neste e noutras ficções de Lya. Nos seus contos, a autora traz á superfície as trágicas dificuldades da comunicação familiar. Já em Perdas & Ganhos que a escritora se tornou sucesso em vendas. Também neste seu trabalho ela examina com certa informalidade e profundidade os mistérios dos relacionamentos humanos. Examinando a sua obra Perdas & Ganhos, que foi lançada em 2003, foram vendidos 600 000 exemplares. Foi seguido por Pensar É Transgredir, com 215 000. Lya estreou como romancista nos anos 80, com dramas familiares densos como Reunião de Família – livros de vendagem bem mais discreta, mas com o mesmo repertório de temas que a autora persegue de forma obsessiva. Sua última obra ficcional foi O Ponto Cego, romance de 1999. A incomunicabilidade é o núcleo textual de O Silêncio dos Amantes. Aqui, em várias histórias, os personagens, premidos pelas exigências do dia-a-dia, evitam travar diálogos que teriam o potencial até mesmo de salvar a vida de uma pessoa amada. O material de Lya é caracterizado por uma tristeza imensamente trágica. Ousada, a autora incursiona pelos temas mais dolorosos, como o suicídio infantil. Mas esse não é um livro desesperançado. O conto-título, que fecha O Silêncio dos Amantes, retrata um casal que consegue reconstruir a vida e reencontrar uma precária felicidade depois de ser afligido pelas piores circunstâncias de vida. “Estou aprendendo a ser feliz outra vez” o personagem diz em certa passagem. E noutra, “Sem que eu soubesse, as coisas não ditas haviam crescido como cogumelos venenosos nas paredes do silêncio, enquanto ele ficava acordado na cama, fitando o teto, com o branco dos olhos reluzindo na penumbra. Se eu interrogava, o que você tem amor? Ele respondia que não era nada, estava pensando no trabalho. A gente sabia que era mentira, ele sabia que eu sabia, mas nenhum de nós rompeu aquele acordo sem palavras. Nunca imaginei o mal que o roia”. Este pedaço do texto reflete a essência do trabalho de Lya: a incomunicabilidade e o silêncio entre pessoas que se amam ou deviam se amar, os conflitos familiares, a busca de um sentido da vida, rancores, incompreensão, mas também magia e amor nos relacionamentos. São palavras da autora: “Um casal supera as dores do passado e encontra um novo caminho bastante singular; a rotina não permite enxergar o drama de quem está ao nosso lado; a mágoa e a revolta explodem numa libertação violenta; o preconceito em relação ao diferente pode ser mortal; a superficialidade impede de viver um verdadeiro amor; a morte revela o valor da vida: todos somos tocados pelo mistério. Com coragem e delicadeza, Lya Luft nos provoca a vermos sob um novo prisma o nosso cotidiano, pressentindo a imprevisibilidade, que o torna mais rico”. O ser humano, com toda a miséria e grandeza que isso significa, não é apenas precisar de amparo e consolo, mas também enxergar, abaixo da superfície e atrás das paredes, novas possibilidades de viver e se relacionar”.

LYA LUFT, O SILÊNCIO DOS AMANTES. ED. RECORD, 2008, 160 PÁGS. relações humanas, incomunicabilidade, tragédias familiares