sábado, 9 de fevereiro de 2008

A DOENÇA COMO METÁFORA

RESENHA
Ernani Xavier
MANIPULAÇÃO CULTURAL DA DOENÇA


No magnífico ensaio “A doença como metáfora”, Susan Sontag mostra como as representações sobre duas importantes patologias das sociedades modernas, o câncer e a tuberculose que são produzidas através da literatura ficcional, dos discursos médicos, psiquiátricos e militares que acabam criando e reforçando falsas crenças sobre os processos de adoecimento, associando a eles, sobretudo, um processo fatal de desenlace, de “preparação” para a morte. Este livro originalmente foi a base textual para conferências que a autora proferiu na Universidade de Nova Iorque. O seu texto não se refere à doença em si, mas, à doença usada como um símbolo ou metáfora, uma tentativa de entende-la e de explica-la a partir de conceitos subjetivos aculturados pelo inconsciente social coletivo. Para a ensaísta, doença nenhuma é uma metáfora, seria desonesto lhe atribuir significados metafóricos. “Há poucas décadas, quando o conhecimento de que se estava com tuberculose equivalia a ouvir uma sentença de morte – como hoje a imaginação popular, o câncer equivale a morte -, era comum esconder dos tuberculosos a identidade da doença e, depois que eles morriam, ocultá-la de seus filhos”. De acordo com Susan Sontag, "Apoiando a teoria sobre as causas emocionais do câncer há uma florescente literatura e um exército de pesquisadores. E raramente se passa uma semana sem que apareça um novo artigo anunciando ao público a ligação científica entre o câncer e os sentimentos dolorosos. São mencionadas as investigações científicas em que, entre, digamos, algumas centenas de cancerosos, dois terços ou três quintos declaram ter estado deprimidos ou insatisfeitos com suas vidas, ter sofrido perda de um parente, amante, cônjuge ou amigo íntimo". Para a autora, a doença tem de ser vista exclusivamente como fato biológico, não como destino ou expiação de alguma culpa. Lamenta que a medicina, em suas relações com a sociedade, interpreta a, muitas vezes, a doença, como uma punição. Isto vem de longe, argumenta, quando o pregador e escritor puritano Cotton Mather dizia que a sífilis era um castigo que o juízo justo de Deus reservava aos pecadores. No seu livro analisa a tuberculose, vista por muitos como metáfora da paixão, e o câncer, analisada como resultado da repressão da sociedade contemporânea sobre o ser humano. Estuda como elas são vistas pela sociedade como se fossem doenças provocadas pelo próprio indivíduo, como uma forma, respectivamente, de purgar pecados ou de reagir perante situações adversas. Reduzir a doença a metáfora gera preconceitos, portanto. A doença precisa ser vista não mais do que um evento físico, pois, só assim a pessoa deixaria de se sentir responsável pelo mal que carrega, despertando em si mesma alguns sentimentos de auto-rejeição e de punição. Susan Sontag escreveu sobre um tema que conhecia bem. Conhecia o mundo das doenças como poucos. Da própria luta contra o câncer, elaborou uma crítica ao pensamento coletivo sobre as doenças como um mal social ou como a interpretação de uma punição ao ser humano. Muitas são as pesquisas e os artigos sobre as influências da felicidade sobre o sistema imunológico, assim como os que comparam a depressão e os estados melancólicos aos estados de deficiências das defesas orgânicas. Conclui vaticinando que, “certamente, é provável que a linguagem usada sobre o câncer evolua nos anos vindouros”. Decisivamente, deverá mudar quando a doença for finalmente compreendida e a proporção de curas se tornar mais elevadas. Contudo, nessa época talvez ninguém mais irá comparar o câncer como algo terrível ou como um castigo.
Susan Sontag. A Doença Como Metáfora. Rio: Graal, 2004.110 páginas.
tags: mistificação da doença, honestidade na medicina, autoconsciência
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