domingo, 27 de janeiro de 2008

O NOME DA MORTE

RESENHA
Ernani Xavier


PROFISSÃO: ASSASSINO
O livro “O nome da morte” é uma biografia, ou mais precisamente, uma reportagem investigativa. É história acontecida. O escritor é Kléster Cavalcanti, o protagonista, Júlio Santana, um jovem cuja profissão é simplesmente matar outras pessoas. Ao todo foram quase 500, antes de ter completado 35 anos de idade. Tudo anotado num caderninho. Sem que “pareça um sujeito violento ou agressivo”, conforme diz o autor, além do que, estava super a fim de falar sobre isso. Da longa conversa saiu o livro. No início da sua carreira Júlio Santana tinha apenas 17 anos. Matou um cara que abusara sexualmente de uma garotinha de 13 anos, ao mando do pai da menina. Era só um caçador. Dons bons. Tinha ótima pontaria. Ajudava a sustentar a família bem no sul do Maranhão, no lugarejo de Porto Franco. Já tinha um parente que cobrava para matar, o tio Cícero que também era policial. Como o tio Cícero adoeceu na véspera de uma execução, o sobrinho Júlio Santana o substituiu. Fez o serviço. Matou um pescador. Aprendeu com isso o seguinte: “se você não fizer o serviço, quem vai acabar morrendo sou eu. (...) nesse negócio é assim. Depois que a gente recebe o dinheiro, tem de fazer o serviço. Senão, quem acaba assassinado é o próprio pistoleiro. Você quer que eu morra?”. Dito e feito. Santana já era considerado um bom profissional a partir de então. Logo uma tarefa importante foi ajudar uns militares do exército a matar uns comunistas, em 1972, na cassa a guerrilheiros na famosa Guerrilha do Araguaia. Santana, assim, se tornara, sem saber, personagem da História Contemporânea do Brasil. Tudo isso influenciado pelo tio Cícero, seu mecenas. Era nas redondezas de Xambioá, na época, Goiás. Em Xambioá Júlio Santana assessorou um grupo e puderam caçar um guerrilheiro graúdo, José Genuíno. Disiludiu-se com uma namorada de anos. Vai morar em definitivo numa cidade grande, Imperatriz, onde vive o tio Cícero. O livro não é inventado. Nas palavras do autor: “Não há nada de ficção. Todos os nomes do meu livro são reais. Carlos Marra, por exemplo, é o nome do delegado que comandou o grupo do Júlio Santana no Araguaia. Inclusive, todos os nomes de mandantes de crimes e de vítimas são reais. Não usei a minha imaginação para nada. O livro é uma grande reportagem investigativa. Passei sete anos trabalhando na história do matador Júlio Santana”. Durante os sete anos que o autor trabalhou na investigação, sempre foi por telefone. Só no finalzinho, em 2006 foi que conheceu Júlio Santana em pessoa. Foi até Porto Franco. Morou três dias com Júlio Santana, segundo ele, “um homem calmo, bem-humorado, caseiro, carinhoso com a mulher e com os filhos e muito religioso. Um homem aparentemente comum. Perfil bem diferente dos assassinos que povoam a literatura e o cinema”. O trabalho de Kléster Cavalcanti mostra que para matar o cara não precisa ter as feições de um conde drácula ou olhos esbugalhados. Ele pode morar na tua casa e até mesmo demonstrar alguma afeição por você. O instinto de morte não é necessariamente agressivo. Matar pode não ser um prazer, pois, no caso de Júlio Santana, é uma profissão. Pode ter lá princípios como aquele que o tio Cícero ensinava: “Se você não matar, o infeliz vai morrer na mão de outro e tu deixa de faturar um dinheiro”. Terá também algum código de ética: “Jamais identifique o mandante, além de não receber, pode pagar caro por isso...” É um livro gostoso de ler. Surpreendente. Altamente revelador da natureza humana. O seu lado mais frio. Impressionantemente realista.
Klester Cavalcanti. O Nome da Morte. Rio: Planeta Brasil, 2007.
Palavras-chave: impunidade, investigação jornalística, banalização da vida humana
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ROBERTO CARLOS, EM DETALHES

RESENHA
Ernani Xavier


O REI ESTÁ NÚ

Polêmica biografia do cantor Roberto Carlos Braga, censurada, pode ser baixada na internet.
Transcrevo aqui retalhos do artigo super abalizado do Jornalista Marcelo Xavier, especialista em música e história da música, escritor, ensaísta.
“Falando no Em Detalhes, trata-se um trabalho exuberante e primoroso em formato de grande reportagem sobre a vida e o ambiente em que Roberto surgiu para o estrelato, muito bem compilado e documentado com textos e entrevistas. Muitas das fontes que falam na obra são fatos conhecidos, ou seja, a despeito das valiosas informações desconhecidas do grande público; um desses fatos interessantes é a forma como ele foi dispensado da “turma da Bossa Nova” (“você quer imitar o João Gilberto e nós já temos o João Gilberto”). Araújo defende Roberto no livro diversas vezes, primeiro por entender que o cantor era real herdeiro da tradição representada por João, que amalgamava o gosto pelo antigo (Ari Barroso, Dorival Caymmi) e o novo (Tom Jobim, Vinícius de Morais) enquanto a “turma da Bossa Nova” renegava a Velha Guarda. Para ele, enquanto Carlos Lyra repudiava Francisco Alves e Orlando Silva, o cantor baiano os colocava como elementos representativos em seu trabalho. Roberto Carlos era, para ele, o vetor desde João Gilberto até o Tropicalismo, porque não repudiou a canção popular. O escritor ainda revela que o violonista viu Roberto cantar “Brigas Nunca Mais” na famosa Boite Plaza, um dos berços da Bossa Nova. Outra é que Roberto Carlos, ao contrário do que se fazia em matéria de rock no Brasil – cantores consagrados fazendo versões de gosto duvidoso para sucessões dos anos 50, como Bill Haley ou Paul Anka -, muito antes da Jovem Guarda teve a idéia de criar um estilo musical novo com música jovem, como eles sentiam, e não como as gravadoras achavam que devia ser. Nesse sentido, Paulo César diz que Roberto criou a Jovem Guarda antes da invasão britânica. A implicância com o disco, segundo o historiador, decorre que Roberto acha que desafinou em uma faixa do disco, “Não é Por Mim”. Para piorar, Côrte Real usou na capa uma foto de um disco do organista Ken Giffin. Mais: o texto de apresentação da contracapa dizia que Roberto era carioca e que “ Linda” era versão de Imperial para um tema de Bill Ceasar. A verdade é que nem Roberto Carlos era carioca, nem Bill Ceasar existia. Para a Columbia, seria mais atraente colocá-lo como alguém da Capital e que o disco trouxesse pretensas versões brasileiras para rock americano, o que era a voga da época. Essa sucessão de equívocos provocou o seu repúdio ao disco. Outro que merece destaque no livro é Evandro Ribeiro, primeiro produtor da segunda fase de Roberto. Evandro teria dado um valioso depoimento ao autor, que conta a vida da eminência perda dos discos do cantor justamente na melhor fase da sua carreira, como uma espécie de versão brasileira do Coronel Tom Parker. Roberto Carlos iria mudar para o rock; o problema é que a CBS já tinha o seu artista principal – Sergio Murilo, e a política da gravadora era de evitar concorrência direta (de acordo com Araújo, eles recusaram Altemar Dutra porque tinha Carlos José, por exemplo). A reviravolta ocorreu quando Roberto conseguiu impor tanto repertório quando músicos, contrariando toda a CBS, e fez algo impensado até então: mandou uma orquestra da gravadora passear e colocou a turma que tocava rock na Piedade, e que atendia pelo nome de Renato e Seus Blue Caps. A música seria “Splish Splash”, e o resultado final foi tão surpreendente que Evandro resolveu contratar os rapazes na hora. E o resto é a história...proibida”
Jornalista Marcelo Xavier (marcelo@rabisco.com.br), publicado no BLOG RABISCO, http://www.rabisco.com.br/colunas/latim/latim69.htmem, edição de 11 a 26 de maio de 2007.
Paulo César Araújo, Roberto Carlos Em Detalhes. São Paulo:Planeta, 2007 625 páginas.

O AMOR NÃO TEM BONS SENTIMENTOS

RESENHA
Ernani Xavier


AMOR, CARENTE AMOR...

O romance psicológico, policial, “O amor não tem sentimentos”, é um livro de Raimundo Carrero, escritor brasileiro que já foi premiado (Jabuti de 2000). Na trama um músico enlouquecido decide, no seu máximo delírio, matar a mãe e a irmão, com quem mantinha relações incestuosas. Mistura bem dosada de sexo com religiosidade. Segundo o autor, no Nordeste, onde tudo ocorre, a questão da violência está sempre associada à religião. De acordo com ele mesmo, Matheus (seu protagonista) “vem do caçador, do evangelista Matheus, embora perca o 'h' quando começa a desatinar. Até o nome dele muda, porque o nome é uma coisa fundamental num personagem. Um nome errado estraga o personagem. O próprio título do livro é relevante no contexto. Neste caso, “nasce justamente do desamor na casa, porque nós vivemos na casa, temos a casa como um padrão de vida. Veja bem: Biba, Matheus, Dolores e Ernesto se odeiam e se amam no lugar onde deveria existir apenas amor”. O autor (para quem “todo amor é egoísta e isso nunca pode ser bom”) justifica a combinação da loucura com religiosidade dizendo que, “aquelas pessoas que conheci na minha infância eram, ao mesmo tempo, loucas e religiosas...Por ter vivido no sertão arcaico, “conheci muita gente de batina e ajudei a celebrar muita missa. Em latim. Esse arcaísmo leva à loucura permanente de Matheus, um camarada que procura negar ou afirmar o que fez, mas apenas para se salvar. A loucura dele está num projeto de salvação, no sentido de encontrar uma solução para esses problemas extraordinários que ele vive, entre os quais o de ter matado a mãe e a irmã...” O autor fala magistralmente a língua dosdesvairados. Por esta razão, o seu trabalho foi apelidado de romance sobre a loucura. Para construir o romance, Carrero foi a busca de dois grandes arquétipos literários, Dom Quixote de Cervantes e o Raskolnikov de Dostoiévski. Sua obra parte de um lance não edipiano: garoto é abandonado pelos pais ao nascer, é criado pela tia e passa o resto da vida procurando remendar as partes de uma família que nunca fora sua, num modo que já não é mais possível... “Ao contrário da psicanálise – onde o paciente se volta ao passado e (em teoria) retorna fortalecido – em Carrero, o retorno só estreita os laços com o trágico, explorando o mundo dos insanos”. Complicado? Ele mesmo explica: “Eu sou muito impressionado com a loucura, que é um tema recorrente na minha obra, porque não vejo lucidez em lugar algum. A minha ‘família literária’ me angustia muito". E, apesar da imagem trágica do primeiro capítulo, o escritor quis fazer desse o seu livro mais leve. Mas de uma leveza obtusa, nutrida pela humanidade com que impregnou todos os traços de Matheus, para assim aliviar a barra-pesada da sua trajetória pessoal. “O doido era eu mesmo, necessitava manter o controle quando a loucura chegava...” O trabalho de Carrero proclama a hipocrisia das relações sociais no microuniverso familiar, muitas vezes, por alguma falta de amor, ou um modo perverso dele se manifestar. Revela na realidade o grande contraditório do amor, a sua distorção e a sua própria ausência. A essência da loucura está no desamor verdadeiro. Mais uma vez, Raimundo Carrero choca, diverte, provoca reflexões. Desestrutura, mexe.

Raimundo Carrero. O Amor Não Tem Bons Sentimentos. São Paulo: Iluminuras, 2007. 192 Páginas.
pALAVRAS-CHAVE: familiar, crime, relacionamento amoroso
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CARTA ABERTA PARA MINHA MÃE

RESENHA
Ernani Xavier


MÃES DO MEU BRASIL!!!
O autor, Gabriel Chalita, já tinha feito um livro sobre o seu pai, intitulado, “Memórias de um homem bom”, como presente de aniversário dos 80 anos.Hoje, segundo Chalita, seu pai já foi para o céu. A mãe, por brincadeira lhe cobrou um presente semelhante, para o Dia das mães. Ele então lhe fez a homenagem. Segundo ele, uma edição pequena, limitada, sem luxo, que conta um pouco da história dela. “A sua vinda dela da Síria para o Brasil, o sofrimento, a perda da terra, a perda dos filhos, mas o amor dessa mulher, profundamente apaixonada e apaixonante não se perdeu...” O autor já aproveitou e, de acordo com ele, “com este livro faço uma homenagem a todas as mães. Não é uma biografia da minha mãe, pois somente um trechinho fala dela, mas é um livro que qualquer filho pode dedicar para sua mãe, como se ele escrevesse uma carta pedindo-lhe perdão pelas vezes em que esteve ausente, pelas vezes que não viveu os ensinamentos bonitos que recebeu dela – dizendo-lhe o quanto a ama, o quanto lhe é grato, o quanto vive a intensidade dessa relação”. A homenagem que ele faz para as mães é muito bonita. Já o livro em si é obra de uma mente aberta e criativa, sem dúvida. Mais ainda, escrever a mão é um legítimo tributo àquela pessoa mais fundamental na vida de qualquer ser humano, a sua mãe. Mais do que isso trata de um assunto mais relevante que existe, o amor, mais objetivamente, o amor das mães. Presente ao lançamento, um padre salesiano, de nome Rosalvino, tratou o texto de Chalita como uma mensagem especial á juventude de todo o País e mesmo, do mundo inteiro. De fato o texto de Chalita dá um novo olhar no desempenho social e no papel relevante de todas as mães. O comportamento violento não deixa de ter lá as suas origens na ausência afetiva da figura materna na formação da personalidade. Garcia Lorca, no texto “Lembrança das minhas putas tristes” presta uma homenagem para todas as mães quando o seu personagem principal declara que todo os seus conceitos de mulher e de amor foram construídos á imagem e semelhança da sua relação com a “pessoa mais maravilhosa do mundo”, a sua mãe. É a mãe que tem o poder de moldar as pessoas, não necessariamente pela herança que deixa biologicamente nos filhos, mas pela herança transmitida pelo seu coração. As pessoas vêem o mundo através dos olhos de suas mães, pelo resto das suas vidas, a partir dos tenros momentos da amamentação. Daqui é que provém aquilo que segura todas as barras da existência humana. Daí é que provem o que mantém o ser humano de pé, que o equilibra: segurança e auto-estima. A presença da mãe na personalidade dos filhos é que gera perspectivas sobre afetos, sexualidade, emocionalidade, valores e atitudes das pessoas com relação á si mesmas, ao mundo de cada um, ás outras pessoas e ao seu futuro. O tema tratado por Gabriel Chalita é, sobretudo, transbordante de coisas lindas, de amor. Não o amor imaginado, criado de dentro para fora para atender carências. Mas o amor autenticamente puro, criador daquilo que a humanidade mais precisa, a solidariedade e a compaixão. A mãe de todos nós entra e toma conta da alma humana. Mãe é integridade de sentimento, concritude de Deus no âmago dos ser humano. Esta destinatária da carta de Gabriel Chalita deveria receber muitas cartas dos filhos, todos os dias, em forma de carícia e reciprocidade. Livro criativo, texto essencial, homenagem mais do que merecida.
GABRIEL CHALITA. Carta aberta para minha mãe. São Paulo:Canção Nova, 2007.
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pALAVRAS-CHAVE: amor autêntico, papel materno, personalidade

A FALTA QUE VOCÊ ME FAZ

RESENHA
Ernani Xavier


LAÇOS DE FAMÍLIA
No romance, “A falta que você me faz”, a escritora americana, Joyce Carol Oates retoma o assunto dos conflitos e dramas vividos por famílias de alto padrão social, de fundo psicológico. Bem no início do livro, a narradora e protagonista diz: "Esta é a minha história. Ela trata da falta que sinto da minha mãe. Um dia ela poderá também ser a sua história, certamente contada da sua própria maneira...” A trama gira ao redor de uma mulher solteira, passando um pouco dos trinta anos de idade, mas que, se comporta como uma adolescente excêntrica e meio rebelde. Ela mesma narra a sua história no romance. A mãe do enredo é a Senhora Gwen, viúva, cinqüentona, levando uma vida super estabilizada, curtindo as suas duas filhas, a Nikki e a Clare. Esta última, bem casada, com dois filhinhos. Nikki é repórter de uma rádio do interior, tem um relacionamento complicado com um cara casado. Enfrenta uma batalha ferrenha entre auto-estima e calorias... Nada mais do que um, dentre os seus múltiplos dilemas. A mãe é uma mulher realista, adora receber as filhas para eventos sociais. Ela é muito agradável, jovial, e desempenha o papel de núcleo do pequeno grupo familiar. Critica a filha pelos exageros na maneira de vestir, hábitos sociais, pintura de cabelo. "Oh, Nikki! O que você fez com o seu cabelo!!! Foi a primeira coisa que a mamãe me disse ao me ver.... Nem bem eu tinha entrado na porta da cozinha...Lembro-me ainda, a sua voz parecia o grito de um pássaro recém baleado em pleno vôo...” Mas, não obstante os desacordos entre ambas, a vida flui dentro dos padrões normais da classe média alta americana. Em “A falta que você me faz” o brutal assassinato da mãe é apenas o ponto de partida para a autora discutir o relacionamento entre ela e suas duas filhas de temperamentos opostos, e o próprio papel dessas personagens na família. Nikki, mergulha no seu mundo subjetivo de forma profunda. Ela “nunca tinha se visto como filha até se tornar órfã e passar por um processo de intensa transformação, lapidado pelo sofrimento da perda...” O foco da autora se move dentro da realidade da classe mais abastada, que, não obstante bem favorecida por aspectos materiais, se debate diante de desafios da afeição e das complexas inter-relações familiares. Depois da morte da senhora Gwen, a novela inclui observações de natureza emocional maravilhosas. A mãe do enredo possui um caráter muito especial, sendo super amável, enfatizando com isso o contraste que fica a sua súbita ausência. Depois da morte da mãe, Nikki acaba por tomar consciência dos seus reais sentimentos para com a mãe, para com a família toda, sobre o significado de ser uma filha. Começa a entender a si mesma e definir a sua relação com o mundo e com a vida. Inicia uma período de tristezas, sendo que reminiscência lhe consomem a alma de forma muito atroz. A autora é, ao mesmo tempo, erótica e uma cientista social. Uma alucinatória precisão sobre as relações do homem com a vida.
Joyce Carol Oates. A falta que você me faz. Rio: Nova Fronteira, 2006 - 432 páginas.
pALAVRAS-CHAVE: laços familiares, convivência com perdas, adolescência
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O LIVRO DOS ABRAÇOS

RESENHA
Ernani Xavier


SIN PERDER LA CANDURA, JAMAS!


O texto “O livro dos abraços” causou surpresa nos assíduos leitores de Eduardo Galeano. O jornalista crítico severo dos abusos dos poderes arbitrários que subjugam os hermanos da tripudiada América Latina, também tem a sensibilidade de um poeta. No seu livro o autor constrói um mundo imaginário a partir das suas afeições por pessoas com quem partilhou a vida e por lugares que o hospedaram nesta viagem. Este é o sentido do abraço. Abraça o mundo, abraça a vida, abraça a cada um de nós. Um enorme abraço feito de fragmentos belos e duros já que emocionam, apaixonam, mas também enraivecem, por isso que a editora alerta: “Abra este livro com cuidado: ele é delicado e afiado como a própria vida. Pode afagar, pode cortar. Mas seja como for, como a própria vida, vale a pena”. O autor mostra que a história pode ser contada a partir de pequenos episódios onde não necessariamente deva haver repentes de heroísmos, mas tenham, sim, de refletir a paixão dos homens pela vida e pelos outros homens. Um forte e demorado abraço aos pedacinhos que são pedacinhos da grandiosidade da alma do seu autor: “Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta”. “As coisas caem dos meus bolsos e da minha memória: perco chaves, canetas, dinheiro, documentos, nomes, caras, palavras... Eu ando de perda em perda, perco o que encontro, não encontro o que busco, e sinto medo de que numa dessas distrações acabe deixando a vida cair”. “Dormirás tranqüilo, aninhado no conforto da falta que eu te faço. Morrendo devagar, partícula a partícula... Os teus órgãos arrefecem - há quanto tempo não te arde o coração?” “Minhas certezas se alimentam de dúvidas. E há dias em que me sinto estrangeiro em Montevidéu como seria em qualquer lugar do mundo. E, nestes dias, dias sem sol, noites sem lua, nenhum lugar é meu lugar, e não consigo me reconhecer em nada nem em ninguém. As palavras não se parecem ao que se referem e nem sequer se parecem aos seus próprios sons. Então não estou onde estou. Deixo o meu corpo e me vou longe, a nenhum lugar. E não quero estar com ninguém, sequer comigo e não tenho, nem quero ter, nenhum nome. Então perco a vontade de chamar-me ou de ser chamado.” Estes são alguns sentimentos de um homem sensível e duro. Duro a ponto de se perguntar: “Até quando os horrores continuarão a ser chamados de erros?” Até quando continuaremos a aceitar, como se fosse costume, a matança de iraquianos, em uma guerra cega que esqueceu seus pretextos? Até quando continuará sendo normal que os vivos e os mortos sejam de primeira, segunda, terceira ou quarta categoria? Somos a única espécie animal especializada no extermínio mútuo. Destinamos US$ 2,5 bilhões, a cada dia, para os gastos militares. A miséria e a guerra são filhas do mesmo pai: como alguns deuses cruéis, come os vivos e os mortos. Até quanto continuaremos a aceitar que este mundo enamorado da morte é nosso único mundo possível? Pois é! Carecemos de um grande e fraterno abraço. Um afago que se sobreponha á estupidez. Um abraço que congregue homens de todos os cantos do mundo, antes que não haja nenhum canto para se abraçar. Galeano é escritor e apóstolo. No silêncio da sua mesa ele acalenta um sonho e multiplica-se em emitir sons para surdos. Mas, o faz incansavelmente.
EDUARDO GALEANO. O LIVRO DOS ABRAÇOS. Porto Alegre: LPM, 271 PÁGINAS, 2005.
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PALAVRAS-CHAVE: contestação política, engajamento, humanismo

AS VIÚVAS DE QUINTAS FEIRAS

RESENHA
Ernani Xavier

O MUNDO DAS APARÊNCIAS


O livro, “As viúvas da quinta feira” da destacada escritora portenha trata do submundo de grandes metrópoles, encoberto por “meras aparências”. È uma novela policial que trata com inteligência e criatividade o microcosmo familiar dentro de uma comunidade que vive em um condomínio fechado em um subúrbio de Buenos Aires, aludindo com sutileza os dilemas do entorno social. Retrata de forma irônica uma classe social de “novos ricos”, que, não obstante a crise econômica que atravessou a argentina dos anos 90, ascendeu socialmente e se torna obcecada pelos sinais de prosperidade. No condomínio as mães procuram manter tudo impecável como os jardins, as piscinas, embora os seus filhos estejam envoltos em delinqüências e transgressões. Os homens convivem em ambiente aparentemente maravilhoso de parcerias em esportes, diversões internas ao condomínio, embora desempregados e sem nenhuma perspectiva a não ser manter a aparência de gente bem-sucedida. Um grupo mais fechado, segundo a autora, “mais seleto” de cavalheiros juntam-se num ambiente secreto, deixando de lado a filharada, as empregadas domésticas e as esposas, donde vem o título “as viúvas das quintas-feiras”, para tratar de coisas que poucos têm acesso. Mas, o quotidiano naquele mundo aparentemente cheio de tranqüilidade é tumultuado por incidentes dramáticos; três mortos são encontrados boiando numa daquelas majestosas piscinas de mansões do condomínio. Daí começa a revelação do lado escuro do condomínio de luxo. Começa a sais para o lado de fora a podridão da pequena sociedade, ostentando traições, hipocrisias e crimes. A autora mostra ao leitor aspectos de safadezas e futilidades e imoralidade obscurecida pelas aparências, que, na realidade refletem uma realidade vivida no seu próprio país na última década do século que passou. Refletem uma crise social e econômica em que emergiram pobres de todos os lados. Pessoas famintas entravam nos zoológicos para obter carne para as suas refeições Uma legião de desempregados não conseguia nem buscar empregos por falta de dinheiro para o transporte. Mães levavam filhos para pedir esmola no centro de Buenos Aires e ali ficavam por dias e dias para não ter de pagar transporte de volta para casa. O contexto da autora Cláudia Piñero é marcado pelo surgimento de grandes escândalos políticos e sociais que marcaram época na Argentina do fim do século. O que não é muito diferente da realidade brasileira, um dos países mais desiguais e injustos do mundo. Lá, um dos fatores mais determinantes da decadência foi o período peronista, ora assumindo um caráter fascista, ora um caráter populista, a intervenção do Estado, com seu corolário de gastos excessivos, inflação e corrupção, destruiu uma economia antes próspera. Só agora a Argentina tem dado sinais de recuperação, mas ao que tudo indica será um processo lento. O texto de Cláudia Piñero é fácil de ler e o seu conteúdo é denso. Choca, diverte e ensina. Turva as águas das aparentes tranqüilidades dos “condomínios”, opção de vida das grandes cidades. Faz refletir sobre as vizinhanças e os seus mistérios. Revela um caráter apenas superficial das relações entre as pessoas e o risco que isto implica.

Claudia Piñero. As Viúvas Das Quintas Feiras Editora Objetiva, 2007, 256 Páginas
Palavras-chave:cotidiano, pensamentos, vida
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PAULA

RESENHA
Ernani Xavier

O VIGOR DA VIDA
Isabel Allende relata o drama de sua filha Paula, que dá título ao livro, na esperança de que ela venha a ler o que escreveu, tão logo se recobre do estado de coma em que se encontra. Expressa o seu sofrimento maternal juntando flashbacks da sua vida pessoal como, alegrias, tristezas, amores e desilusões, com impressionante realidade. É um terno testemunho contado na primeira pessoa. Na realidade é uma história que culmina com a morte, não sendo, entretanto, um livro que se dedique a este tema. Mais do que tudo é uma celebração da vida. (...) “A sua longa agonia deu-me a oportunidade única de rever o meu passado”. Um documento autobiográfico, com forte poder catártico e a tentativa de superação para a profunda agonia, pondo no papel as recordações, na tentativa de que o tempo não as consuma. Contando o drama da filha conta a história da sua própria família, pais infância, desgostos, crenças... Talvez porque, como diz, "toda a ficção é, em última análise, autobiográfica. Escrevo sobre amor e violência, sobre morte e salvação, sobre mulheres fortes e pais ausentes, sobre sobrevivência". A escritora queria que a sua filha não perdesse a conexão da sua consciência e a sua memória ao se despertar. Mas, a doença de Paula, de causa hereditária, lhe causou a morte no mês de dezembro de 1992, com apenas 29 anos de idade. O resultado é uma peça literária de forte personalidade. Como um exorcismo da morte e, ao mesmo tempo, uma celebração da vida, o texto explora o passado, questiona os deuses do destino conduzindo o leitor de lágrimas ao riso, do terror á sensualidade. Revela a vida cheia de cores da sua filha, ao mesmo tempo em que trás à superfície fatos que lembram sua infância no Chile, onde nasceu, os terrores do golpe militar de 1973, a odienta ditadura subseqüente, e as experiências no exílio. Combina duas qualidades expressivas da ficção: a densidade e a intensidade. “É tanto um diálogo à cabeceira de uma doente clinicamente privada de consciência, como um solilóquio de grandeza e fragilidade, a tentativa de unir a idéia do amor como única ponte de salvação humana, a realidade do sofrimento tantas vezes absurdo e indecoroso”. Para a autora, «Paula foi uma catarse, um exorcismo. A minha filha morreu a 6 de Dezembro de 1992 e um mês depois, a 8 de Janeiro, tinha que começar a escrever um novo livro. Só que não estava em condições de o fazer. Sentia-me muito em baixo e muito cansada”. Encontrou na escrita, mesmo que não intencionalmente, um lenitivo para não mergulhar em séria depressão e possivelmente no suicídio. Colocou toda a sua energia possível e transbordou toda a sua emocionalidade possível na história. Sublimou a dor e o sofrimento, sem, contudo, perder o senso de humor, a ternura e o equilíbrio da sua mente criativa na obra. Com a fortaleza da mulher chilena, ou de uma mulher chilena, ela se sobrepõe a si mesma, supera a dor, a angustia e o medo, o desgaste psíquico que tudo lhe produziu (exílio, divórcio, morte de uma filha) na angustiante caminhada e constrói uma obra prima que invade o coração de quem a lê e que demonstra que o amor pode muito bem ser o recurso mais precioso para se continuar vivendo.

Isabel Allende, Paula Editora Bertrand Brasil. 1996, 472 páginas.
Palavras-chave: laços familiares, adoecimento, morte, vida
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sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

VIDA DUPLA

RESENHA
Ernani Xavier


CONTRASTES E CONFLITOS

O livro “Vida Dupla”, (As garotas de Riyad), nos faz acompanhar com muita ternura e admiração as aventuras de quatro meninas, Lamis, Michelle, Sadim e Gamra. Tudo acontece num ambiente que mescla muitos tabus, em especial com relação a dinheiro, religiosidade, arcaísmo de gênero. Trata da condição da mulher na Arábia Saudita. Pela primeira vez são trazidos em romance e publicados no mundo inteiro temas internos da Arábia Saudita com tanta realidade. O romance testemunha uma cultura de extremas contradições. As quatro meninas de Riyad permitem ao leitor penetrar nos mais secretos universos de uma sociedade super fechada, quebrando um vasto silêncio e escancarando a todos um mundo surpreendente e chocante. O enredo é feito assim: um cara anônimo, que faz no texto o papel de narrador, decide construir um enorme mailing de pessoas de Riyad, usando a internet. As garotas, usando nikks para ocultar as suas identidades são oriundas de uma instituição de ensino famosa na cidade e a mais conservadora e todas e são filhas de famílias ricas. No começo do livro elas já demonstram ressentimentos pelas convenções sociais vigentes e ostentam o enorme conflito, em comparação com outros países. Uma se casa, a Gamra, tida como a menos bela do grupo. Lamis é considerada a mais prendada e inteligente. Michelle tem este nome, pois é filha de mulher americana com pai saudita, algo altamente controvertido na sociedade em que vivem. Optam por usar roupas ocidentais, consideradas lá, um privilégio masculino. Tomam champagne Dom Perignon nas festinhas, o que afronta ás leis islâmicas. Especialmente um capítulo do livro é o detonador do “escândalo”. Aqui entra uma nova personagem, a Nuri, acima da média das idades das demais. Com ela rola um caso de preferência homossexual no grupo. Na sua casa acontece muita bagunça, numa tremenda e divertida mistura de garotos e garotas. Surgem papos bem francos sobre questões do aborto, perda precoce da virgindade, idéias sobre divorcio, tudo considerado tabu na sociedade em que vivem. Vêm filmes pornô, circula revistas e livros proibidos, ocorrem relações em segredo, aparecem cosméticos, fala-se e admite-se cirurgia plástica, marca-se encontros via internet, trata-se da questão de gravidez antes do casamento, de mulheres competindo no mercado de trabalho. Enfim, quase nada aqui é permitido na sociedade saudita. Tudo isso transgride frontalmente as leis do islamismo. Embora tenha outras características no livro, o seu foco é na interação entre as cinco pessoas, o narrador mais quatro protagonistas, com suas mães, pais, paqueras, amigos, colegas, professores... Segundo a autora, o seu trabalho mostra “o esforço de contar a história dos seus jovens... surge do desejo de desfazer a imagem errônea do seu país... e mostra que todos acalentam um grande anseio de dialogar com outras culturas...” Ela escreve uma verdadeira obra prima ao "falar da minha geração, a geração internet, assim...” O livro ficou preso em uma editora libanesa, por três anos, transformando-se num caso menos literário e mais social. Muitos contestaram a sua descrição da juventude saudita contemporânea, ansiosa por modernidade e cansada de alguns dos seus costumes. A autora teve idéia de escrever aos 18 anos de idade, ainda na escola, quando “quis escrever sobre nós, jovens sauditas, da nossa tentativa de fazer conviver com o Islam, as tradições e o nosso estio de vida com o acidental, de encontrar a justa combinação para sermos felizes”. Pode ser que não consiga avançar tanto quanto sonha, mas provocou uma verdadeira ventania neste sentido. Revelou o mundo da Arábia Saudita de uma vez. Mostrou que embora vivam sob o forte domínio masculino, as quatro garotas e todas as mulheres do seu país, acalentam a eterna procura do amor, ainda têm esperança e sonhos... Apaixonando-se e desapaixonando-se como qualquer garota do mundo.
Rajaa Alsanea. Vida Dupla. Rio: Nova Fronteira, 2005.
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Palavras-chave: costumes, juventude, cultura

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

JIMI HENDRIX : A DRAMÁTICA HISTÓRIA DE UMA LENDA DO ROCK

RESENHA
Ernani Xavier

SIC TRANSIS GLORIA MUNDI

A jornalista Sharon Lawrence, que se diz amiga de Jimi Hendrix conta a sua história na biografia “JIMI HENDRIX: A DRAMÁTICA HISTÓRIA DE UMA LENDA DO ROCK”. Focaliza a sua carreira, diferentemente de outras biografias que trouxeram dados corriqueiros da sua intimidade familiar. Segundo a autora, ela conheceu Jimi em 68, bem no início da sua meteórica carreira. Já em 70, Jimi já dava claros sinais que se tornaria um expoente da juventude do seu tempo. Colecionava então, discos de ouro, turnês, uma legião de fãs. Juntava-se ao clube dos “máximos” do segmento naquele momento: Os Beatles, os Rolling Stones e Eric Clapton. Não mais do que de repente, Jimi Hendrix morreu. Overdose ou suicídio puro ou assassinato? Cada opção teria um desdobramento na alma e no coração daqueles que o amavam de verdade, é claro. Fechava-se a cortina para um dos mais irreverentes seres humanos que a juventude já conheceu. A jornalista diz que era super íntima do músico e pinta o seu perfil como “um cara genial, mas sensível, carente e deprimido, pressionado por interesses alheios à arte”. Em sua curtíssima viagem pintou de tudo, quase no mesmo momento: ”agitação, processos na justiça, assédio de fãs, drogas, sonhos e desejos”. No inesperado e patético fim, a tragédia, com apenas 27 anos de idade, tempo suficiente para ter sido o foco de discórdias entre os seus pais, claramente doentes emocionalmente.Traços que marcaram a sua personalidade: introversão, humildade, mais tarde, acometido por um estado de profunda depressão. No texto, a jornalista refere-se á pintora Monika Dannemann, última pessoa a ver Jimi Hendrix, tendo passado a noite de 17 de setembro de 70, em um hotel em Londres. Esta teria ligado a um amigo comum, Eric Burdon do hotel, dizendo que Hendrix não estava bem. Burdon a teria aconselhado a chamar uma ambulância, o que não foi feito. Sem ter notícias, ele ligou para Monika: ela lhe teria dito que estava tudo bem e que, inclusive, saíra para comprar cigarros. Na manhã seguinte, os jornais estampavam a morte de Hendrix. Para a biógrafa, ele poderia ter sido atendido a tempo. E acusa a mulher de omissão de socorro. Revelações e novas descobertas são partes importantes do conteúdo da história dramática de um jovem que apenas nascera para o estrelato. O sucesso veio numa velocidade vertiginosa. Após desembarcar em Londres para o seu primeiro show, no final de 1966, Hendrix é bem recebido na atmosfera musical da Swinging London. Ao assistir à apresentação da banda Jimi Hendrix Experience, a famosa crítica de rock Penny Valentine escreveu: "Se fosse possível enxergar a eletricidade, ela se pareceria com Jimi Hendrix", relata a escritora. Sharon tem o merecimento de agrupar em sua biografia dados raros até hoje sobre a curta vida de um gênio.
SHARON LAWRENCE. JIMI HENDRIX. RIO: JZAHAR, 2007, 356 PPhttp://planetalivros.blogspot.com/
depressão, sucesso, sonhos desfeitos

AMOR NA INTERNET

RESENHA
Ernani Xavier


EXORCISMO DA TIMIDEZ

O livro, “AMOR NA INTERNET: Quando o virtual cai na real”, é um relato de pesquisa rodada na internet pela a jornalista Alice Sampaio. Cadastrou-se e freqüentou em diversas salas de bate-papo e as utilizou durante um ano e meio. Do material recolhido surgiu uma formidável reportagem sobre a paquera virtual, aquela que ocorre depois do texto, bem diferente da paquera tradicional que decorre depois do olhar. Idílios que satisfazem necessidades de amar de quase três milhões de pares de brasileiros atualmente. "De tanto ler reportagens louvando a internet como o grande lugar para encontrar o amor, cadastrei-me em alguns sites de encontros e passei oito meses em busca de um namorado na rede”,explica a autora”. "Não sei se por curiosidade ou hábito investigativo, não me desfiz de nenhuma das conversas". Sem dúvida, ampliou consideravelmente a sua rede de “amigos”, conhecidos, pretendentes. Ainda considerando a metodologia de pesquisa, complementarmente á internet, entrevistou mais de cem pessoas, para fins de verificação das suas hipóteses sobre o universo em investigação. Utilizou arquivos dos sujeitos entrevistados, as suas histórias, os seus enredos e os seus surpreendentes desfechos. A facha etária dos sujeitos foi entre 18 a 56 anos. Valeu-se também de assessoria especializada de psicólogos, psiquiatras e sexólogos para compreender e explicar os dados colhidos. Algumas surpresas certamente. Porém, autores que antecederam a pesquisas e os resultados da jornalista Alice, como é o caso de Nélson Rodrigues já obteve material altamente revelador da prática do sexo em lugares mais exóticos, desde elevadores, ônibus, salas de aula, consultórios, em filas e nos pontos-de-ônibus, nas salas de cinema, em igrejas... o novo agora é apenas a virtualidade. O instinto e a sua repressão continuam intactos e serão sempre motivos de controvertidas discussões, como é o caso do celibato e da virgindade. Porém o sexo e as suas múltiplas revelações são apenas parte do que considera a pesquisadora. Um outro lado da mesma questão é o subterfúgio e a busca do relacionamento amoroso. Em meio a troca de mensagens, Alice ficou abismada com a fantasia a confusão emocional os desencontros de expectativas e as tremendas desilusões. Envolvimentos via internet são um fato. Uns podem dar certo. Mas, quais são os seus motivos, enfim? Por quanto tempo sobrevive a fantasia? São perguntas que encontram, umas mais outras menos, respostas no magnífico livro da jornalista Alice Sampaio. Ele compila alguns casos que podem ser divididos em categorias. Casais de meia idade marcados por separações ou viuvez precoce. Há adolescentes tímidos que se refugiam no anonimato e extravasam as suas pressões e depressões familiares. “Para eles a internet é ferramenta: uma maneira de exorcizar a timidez e a insegurança típicas da idade”. Há A categoria daqueles que, ao menos aparentemente, felizes na relação atual, mas que fogem para buscar o que gostariam de ter em termos de complementação do que necessitam, seja companheirismo, mesmo que virtual, seja auto-estima e valorização ou alguma outra carência. Enfim, o trabalho sobre o Amor na Internet, é inteligente, surpreendente e divertido. Provoca reflexões e insights, educa. Alice Sampaio nasceu em São Paulo e tem 48 anos. Foi repórter das revistas Manchete e Veja, redatora da Claudia, editora da Nova, Quatro Rodas, Exame Vip e Marie Claire. Recebeu três vezes o Prêmio Abril de Jornalismo.

Alice Sampaio. Amor na Internet - Quando o virtual cai na real. Rio: Record, 2001, 348 pp.
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auto-estima, carência afetiva, timidez, fantasia amorosa

CANCER TEM CURA!

RESENHA
Ernani Xavier

ENIGMAS DA NATUREZA
O livro, “O Câncer tem Cura” foi escrito pelo Frei franciscano, Romano Zago, e colocou a cura desta temida doença e a babosa, na mídia. Foi projetada como uma planta cheia de poder milagroso, podendo interferir em todos os sistemas do organismo humano: além de curar definitivamente o câncer, ela é indicada para embelezamento de pele e cabelos, tendo fortes poderes preventivos de um cem número de doenças. Para uso interno, diz o humilde sacerdote, a sua utilização é muito antiga, e consta da própria Bíblia. “Acredita-se que ela tenha surgido na Idade Média”. A comunidade científica ainda não comprovou nada a respeito das suas descobertas, e sobre a eficiência da babosa contra o câncer. Mas, estudos internacionais já comprovaram que a babosa fortalece o sistema imunológico e tem ação antiinflamatória e antiviral. A babosa hoje tem centros internacionais de pesquisas científicas e certificações do mundo Árabe, de Israel e dos Estados Unidos. Porém, embora uso da planta tenha sido aprovado nos Estados Unidos para testes em pacientes com Aids e câncer, desde 1994, ainda não foi divulgado nenhum resultado, talvez até mesmo pelo forte lobby das empresas farmacêuticas. O funcionamento da babosa, em resumo, ocorre assim: ela atua nos capilares sangüíneos do corpo humano transportando as suas propriedades preventivas e curativas pelo sangue, atingindo absolutamente todas as células. Os capilares são os menores tubos por onde passa o sangue, é uma rede que tem aproximadamente 150.000 km, que representa 3,5 vezes a circunferência do globo terrestre. Os tubos capilares são dezenas de vezes menores que um fio de cabelo. Por aí é que a babosa circula no corpo humano. O entupimento celular localizado só não traz más conseqüências imediatas porque a rede de tubos capilares é como uma malha rodoviária. Quando uma ponte cai numa rodovia, logo o trânsito é feito por desvios. Isso afeta apenas uma pequena região que fica desabastecida enquanto se conserta a ponte ou faz-se outra ao lado; acontece o mesmo com o sistema capilar. Quando uma região fica sem suprimento de oxigênio, por causa de um estreitamento capilar, essa área tende a responder com um outro tipo de respiração que não precisa de oxigênio, chamada fermentação. Se a produção de novos capilares na região afetada for deficiente ou inexistente, essa fermentação pode ser a causa do aparecimento de várias doenças, entre as quais, o câncer, segundo explicações do Dr. Prêmio Nobel, Otto Warburg, a “fermentação celular fornece mais energia que seria produzida com oxigênio, isso cria condições para uma multiplicação incontrolavelmente rápida das células, dando origem ao câncer”. Esclarecendo mais: o sistema imunológico, inclusive o de autodefesa pode sofrer danos, dando margem a infecções e à diversas anomalias auto-imunes. Com o extraordinário poder de penetração que somente babosa tem, e o Frei soube muito bem disso, opinião compartilhada pelo médico e bioquímico alemão, Dr. A.P.Scheneller, é recomendável para os seguintes tratamentos: aumento da capacidade de desempenho físico e mental, ampliação das forças de autodefesa do organismo, melhoria do desempenho cardíaco, prevenção de angina e arritmias cardíacas, proteção contra o enfarte do coração, estabilização da circulação, normalização da pressão sangüínea, aumento do metabolismo energético no cérebro, prevenção de derrame cerebral, redução da freqüência dos surtos de enxaqueca e melhora da qualidade de irrigação sangüínea nas pernas. A babosa consegue, em 70% dos casos, a reestruturação do diâmetro dos capilares estreitados, normalizando o suprimento de oxigênio. O suco da babosa é assim um poderoso aliado no combate aos sintomas de várias doenças e como protetor para um envelhecimento saudável. Os capilares ficam estreitos, principalmente, por causa de alimentação inadequada, fumo, álcool em excesso, sedentarismo e as doenças decorrentes dessas causas, como é o causo do câncer. No seu livro, o Frei Romano Zago afirma que as propriedades curativas da babosa encontram-se na folha toda e não apenas no gel. “ Três ou quatro folhas de babosa (sem os espinhos e não lavadas, apenas limpas com um pano), meio quilo de mel e quatro colheres de cachaça (pode ser uísque, tequila, grappa ou conhaque) - tudo batido no liquidificador”. Esta é a base da receita que ficou famosa com o livro do Frei Romano Zago. Controvérsias à parte, o mundo moderno está se rendendo a uma planta milenar, sem nenhuma magia nem ocultismos, e sim, pelas suas reais propriedades que a natureza lhe proporcionou.

Romano Zago. Câncer Tem Cura. Petrópolis: Vozes, 2001, 154 pp.
PALAVRAS-CHAVE: MEDICINA E SAÚDE. MEDICINA ALTERNATIVA. PLANTAS MEDICINAIS TRATAMENTO ALTERNATIVO. CÂNCER. CURA. BABOSA.
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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

AS BRUXAS... E SEUS LOBOS

RESENHA
Ernani Xavier


A EPIDEMIA DA ROTINA
“As bruxas ... e os seus lobos” é um romance policial, mas só de fachada. Na realidade é uma crítica social bem construída, esta estréia de George Patrão no campo da literatura. Na história tem assassinos que são super familiares a cada um de nós, vivem em nossa companhia, e eles são bem identificados desde o início, não obstante continue este e outros suspenses durante todo o texto. Reúne em sua malha extensa, figuras bem comuns a todo o leitor: bruxas, policiais, chás medicinais, veneno, poções mágicas, além de sentimentos bem corriqueiros de medo, amor, ódio, coragem, mas nem tanto... Outros ingredientes do texto não podiam faltar: vassouras, sem o que não dá para falar em bruxas e facas para ilustrar assassinatos, rituais cruéis. Ah! estava esquecendo: policiais. Tudo cingido em uma linguagem esplendorosa. O texto trata de uma patologia social chamada pelo autor de normose. As personagens são duas bruxas, a Celene e a Lilibeth. São funcionárias de um supermercado enorme. O policial Jonas tem de investigar um assassinato. Uma das bruxas é culpada a outra inocente. Daí em diante segue o enredo. Claro que têm surpresas incríveis. O personagem Jonas tem a ver com o Jonas bíblico. Teimoso, resistente. É vomitado pela baleia. Sobrevive, pois tem uma missão que lhe deram. A bruxa Lilibeth vem de várias encarnações, trás heranças de todas, mostra-se intolerantemente teimosa ás vezes... “Nós, as autogeradas, somos a verdadeira essência da raça. Vocês humanos, bruxas ou não, são passageiros. Só nós é que contamos de verdade. É para nós que o sol brilha. E ele brilha o nosso brilho!”. A bruxa Celene exerce um papel de curandeiro. Tem poderes. Manifesta-se através do “encontro”. Um dos primeiros resultados deste poder surge no encontro com Jonas. Este vai aos poucos assumindo o seu valor como ser humano, pois, procura estar cada vez mais, “fora do normal”. Vai abandonando as normalidades. Os encontros vão exercendo papéis mais e mais terapêuticos conforme revele o enredo. Celene vai promovendo mudanças nos demais personagens ao combater a doença da normose. Após a ocorrência de um crime, o policial Jonas é chamado e sai em busca da principal suspeita, Celene. Esse encontro precipita uma simbiose entre os dois passam a procurar a verdadeira responsável pelo crime e, ao mesmo tempo, iniciam uma formidável viagem interna de autodescobrimento. O pragmatismo e a incredulidade de Jonas serão postos à prova diante da sabedoria mística de sua companheira de viagem, uma mulher de muitos e grandes segredos. Há uma curiosidade para saber qual é, afinal, a verdadeira missão da “bruxa má”, a Lilibeth na seqüência do texto... O texto trás a rotina do ambiente em que tudo ocorre, o supermercado: “Bem, há as patinadoras. Todas elas jovens, leves em suas botas com rodas, abastecendo os caixas com troco e sacos plásticos ou levando cheques para autorização. Sem parar, sem parar. Tanto exercício tem suas vantagens: belas pernas. Todas, sem exceção, as possuem. Até uma ou outra mais feinha de rosto, se observada sob outro ângulo, fica muito interessante”. O romance foi ambientado em locais comuns e retrata a beleza das coisas simples, que na maioria das vezes é deixada de lado. “A magia da vida se encontra nos pequenos detalhes, tais como a preparação de uma xícara de chá a um sonho, nos movimentos de um golfinho às sabias palavras de um humilde pescador”, comenta o autor. George Patrão é consultor e estudante de Holística de Base pela Universidade da Paz, mestre Reiki e bacharel em Ciências Políticas. Faz literatura e bem, por diletantismo. O seu trabalho é uma contestação á doença social a que ele trata ironicamente de normose, para combinar com outra muito comum a neurose. A sociedade, segundo o autor acomoda-se nas suas normalidades, embota assim a criatividade, anula a crítica e a autocrítica. As pessoas, acometidas pela normose crônica, nascem, vivem e morrem venerando os seus mitos, que são hábitos e convenções e fecham-se ao novo.
George Patrão. “As Bruxas... E Seus Lobos”, São Paulo: Limiar, 2005. 247 pp.
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PALAVRA-CHAVE
resistência á mudança, apego á rotina, medo de ousar, normose

domingo, 20 de janeiro de 2008

O GUARDIÃO DE MEMÓRIAS

A TIRANIA DO INCONSCIENTE

No Romance “O Guardião de Memórias”, Kim Edwards, espalha uma constelação de personagens que compõem uma vibrante história familiar. Impossibilitado de estar presente o médico que faria o parto dos gêmeos da senhora Norah Henry, o seu próprio marido, Dr. David foi quem conduziu os procedimentos. Tudo ocorreu normal, após uma “gestação excelente, sem nenhuma restrição de ordem médica”. ...”Se for menina, Phoebe. E, se for menino, Paul, em homenagem ao meu tio-avô. Eu lhe contei isso? - perguntou. - Pretendia lhe contar que eu tinha decidido... Todos os ingredientes eram de um conto maravilhoso para o jovem casal. Porém, a história não teria nenhum desdobramento fora do normal se um dos bebês, Phoebe, a menina, não fosse portadora da síndrome de Down. Tomado de um sentimento de imensa frustração e cruel insensibilidade, o médico decidiu se ”livrar” da filha. A enfermeira Caroline Gill tomaria conta da sua doação para algum orfanato e tudo ficaria resolvido. Diante da fragilidade do pequena menina, entretanto, a enfermeira mesma assume a sua criação adotando-a como mãe verdadeira. Não sem surpresa, entretanto. ...”Desde o instante em que balançara a cabeça, num vago aceno de concordância com o surpreendente pedido do Dr. Henry, Caroline tinha a sensação de estar despencando no ar em câmera lenta, à espera de bater no chão e descobrir onde se encontrava”.Para a Senhora Norah Henry, tudo não passaria de uma morte prematura. Paul cresceu em berço privilegiado, desenvolveu talentos artísticos. Viveu uma adolescência quase dentro dos padrões médios da classe abastada. Em casa, o clima haveria de refletir as conseqüências da escolha do Dr. Henry. O filho foi envolvido por exagerada proteção. Fugas em atividades múltiplas determinariam uma ausência para com a mulher. Dr. David submetia-se a dura pressão inconsciente intoleravelmente auto-inciminante. “Afinal, ele havia mentido: tinha dado a filha dos dois. Que houvesse conseqüências terríveis parecia inevitável e justo.” Mas, “Ele queria acreditar que fizera a coisa certa ao entregar sua filha a Caroline Gil. Ou, pelo menos, que tivera as razões certas. Mas talvez não fosse isso. Talvez não tivesse sido propriamente Paul que ele havia protegido naquela noite de nevasca, mas uma versão perdida dele mesmo”. A jovem, sensual e fogosa Norah, por tudo isso, encontrou razões fortes inconscientes para compensar a indiferença que sentia na relação. Para compensar a tristeza da morte da filha e fugir da monotonia, vivia como se o tempo resistisse em seguir em frente. Passou a curtir uma vida secreta, quem sabe com uma sensação de esperança e de um novo começo, da procura da novidade, da surpresa... “imaginando que omistério de uma outra presença, qualquer presença, tinha lhe parecido um alívio”. Nas suas mais internas das visões, sabia que a vida que ela estava levando não era a que havia imaginado para si. Apenas Phoebe, na sua inocência, “continuava a correr, perseguindo borboletas, passarinhos, partículas de luz ou as notas flutuantes que saíam do rádio”... A novelista, Kim Edwards, mergulha fundo no inconsciente das pessoas e no poder que ele exerce no seu cotidiano. Estilo narrativo envolvente e diálogo rico e objetivo revelam personalidades fortes mas, dominadas por medos, receios, segredos inrreveláveis que moldam o cotidiano de todos. A trama surpreende. Diverte. Revela o princípio psicanalítico de que nós somos o resultados de nossas “escolhas” e que estas determinam fortemente o nosso comportamento e a qualidade das nossas inter-relações. Kim Edwards.
O guardião de memórias. Rio Sextante, 2007

A MULHER CERTA

RELAÇÕES EM FALÊNCIA

A crônica policial “A mulher certa” é o último livro do autor húngaro, Sàndor Márai. Inicialmente produziu o seu trabalho no seu idioma natal durante os anos de 1928 e 1948. Mas, os seus livros foram submetidos á censura e ficaram esquecidos até o final do século passado. A trama deste romance é relatada por três protagonistas em três longos monólogos que revelam conflitos amorosos e traições. Os conteúdos são construídos por sentimentos de amor e desamor, ciúmes, solidão, pensamentos suicidas. Diversos protagonistas construíram com suas vidas em paralelo, um gigantesco mosaico feito de destroços da alma humana. Na primeira parte do romance, uma mulher (Marika) conta como acabou sabendo da traição do seu marido. O cenário aqui é a cidade de Budapeste. Comenta com sua confidente o quanto sofreu para reconquista-lo. Já, coincidentemente, aí mesmo, em Budapeste, um cara (Péter) procura um amigo para confidenciar como e porque deixou a sua esposa, fortemente induzido por uma paixão irresistível. Num outro cenário, aqui em Roma, uma mulher de origem bem humilde (Judit), confessa ao seu amante as razões que a levaram procuram um casamento com um homem rico e as dificuldade com que se deparou para sustentar uma complicada relação. Em todos os casos um denominador comum a insustentabilidade das ilusões e o quanto elas influenciam o fracasso dos relacionamentos amorosos. Todos os relatos refletem um impressionante senso de realidade dos narradores. Marika, Péter e Judit esforçam-se além das suas forças para lidar com sentimentos corriqueiros, mas, fundamentais para a vida de todos: a própria vida, a paixão enlouquecida, o abandono e a morte. Uma obra edificada na penumbra de alcovas, nos segredos guardados a sete chaves, nos enigmas difíceis de decifrar. Tudo tecido em um novelo intrincados de muitos fios de pontas desencontradas, cores fulgurantes e surpreendentes revelações, do início ao fim. A narrativa vibrante sugere um turbilhão de emoções particularmente fortes. ”Certo dia, acordei e senti que ela me fazia falta... É a sensação mais aviltante. Sentir a falta de alguém. Olhas à tua volta e não compreendes. Estendes a mão, nesse gesto hesitante com que procuras um copo de água, um livro. Tudo na tua vida está em ordem, os objetos, as pessoas, as reuniões programadas, e não se alterou a tua relação com o mundo. Só que te falta qualquer coisa. Mudas as disposições dos móveis… Mas, não se trata disso. Não. Vais viajar. A cidade que há tanto gostavas de ver, recebe-te em todo o seu grave esplendor...”A linguagem transborda em sutileza e sensibilidade. Márai mergulha com mestria no labirinto da alma dos homens para garimpar dimensões preciosas da intimidade da sua singular antropologia. “Roçam sobre ti olhares de ternura, que observam a tua solidão, ou, numa serena superioridade, te seduzem, enviam mensagens, olhares femininos que soltam minúsculas centelhas”. A nota mais baixa na obra do escritor húngaro, Sándor Márai é aquela que daríamos ao seu suicídio, aos 98 anos de idade, seguido de uma cruel crise de depressão, ocorrido em San Diego, na Califórnia. Com um trabalho inimitável Sándor Márai, preferiu assistir lá de cima o sucesso dos trabalhos que foram cortados de modo cruento por instrumentos ideológicos, limitativos à arte, á consciências e aos corações dos homens. Aqui, continuaremos à procura de homens certos e mulheres certas para motivar as nossas enigmáticas e irrefreáveis paixões. Que Deus guarde com Ele, este anjo das letras.
Sàndor Màrai. A mulher certa. Lisboa: D. Quixote, 2007, 424 pp.
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EU SEI QUE VOU TE AMAR

CÔNICA DO DESAMOR

A ficção romanceada de Arnaldo Jabor “Eu sei que vou te amar” desnuda o âmago de duas personalidades marcadas pelo sentimento do desamor. No seu íntimo pensa ela: “Não te vejo há três meses ... seis anos juntos e agora sem te ver... pela tua voz no telefone sei que você está controlando uma emoção, querendo bancar o homem seguro de si. E ele: “Acho que ela conseguiu... não me ama mais, me superou... melhor assim, fico mais livre... sorriso calmo... me esqueceu, dancei, ótimo, chega de inferno... dois adultos...”
No re-encontro sem a intenção de litígio acaba por acontecer o que há de mais óbvio previsível: queixas e antigos ressentimentos são virados e revirados numa tentativa de justificar que a separação foi a melhor escolha e que o grande culpado de do final foi o outro. Revelações foram emergindo. Ela nutria um amor por outro. Ele a teria traído para compensar a sua indiferença.
Quanto mais conteúdo é trazido á discussão ansiosa e angustiante vai mostrando a real identidade de cada um num processo maravilhosamente catártico e fortemente revelador das verdades de cada um.
- “É... esse negócio de casamento não dá mais pé: instituição pesada... antigamente ainda tinha a família patriarcal... os pais na mesa... a amante no bordel... hoje em dia a única finalidade do casamento é a repressão sexual do parceiro... só isso...
- Claro... estou muito mais desinibida... este problema de repressão sexual não tenho mais...
- Não???
- Nada... nadinha!... Sei que posso transar com qualquer cara que me der vontade que não sinto culpa... tem sido ótimo... tenho tido experiências sexuais ótimas...”
O diálogo tenso move-se de mentiras polidas a verdades duras de aceitar, surpresas, questionamentos, arrependimentos e delírios. No embate emocional ele não resiste ao desejo e movimenta-se para realiza-lo. Ela resiste embora dê sinais de reciprocidade. Um gás que ela usou para imobiliza-lo possuindo efeito alucinante e os leva ao delírio. Acabam por se amar desvairadamente em mio a uma cena de desorganização completa do ambiente físico e emocional.
A sociedade matrimonial que reflete a sociedade comum onde todos vivemos é que vai sendo revelada na intimidade dos seus detalhes como, hipocrisia, mentiras, submissão, deslealdade e até falsa compaixão.
No seu texto Jabor faz a psicanálise do desamor. Na sua concepção o amor nasce dentro de cada um de nós. Através daquilo que nós construímos, dos nossos desejos, das nossas convicções que projetamos no outro. Igualmente morre dentro de cada um de nós, quando a realidade substitui a ilusão e desconstrói o nosso raciocínio sobre o outro.Construímos e (dês) construímos o que queremos no outro sem que este outro tenha a mínima noção disso.
O amor, portanto, na ficção de Jabor, é a nossa cotidiana ficção. É isso que se aprende e deprende da imensa originalidade de “Eu sei que vou te amar” de Arnaldo jabor.

Arnaldo Jabor. Eu sei que vou te amar. Rio: Objetiva, 2007.

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

UMA HISTÓRIA NARRADA PELA PRÓPRIA MORTE

O autor é Markus Zusak, um carismático jovem australiano de apenas 32 anos de idade. O livro foi fenômeno de vendas na última Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, 2007. O enredo é uma ficção com base na cruel realidade da perseguição dos judeus na Segunda Guerra Mundial. O autor que, embora não tenha vivenciado o holocausto, cresceu ouvindo histórias de perseguições, fugas e extermínios. O texto é narrativo e quem conta a história é a própria Morte, na primeira pessoa. Sem o imaginado tom sinistro que lhe seria próprio, mas de compadecimento e ternura, em especial, para com a protagonista principal, a menininha alemã, Liesel, de apenas nove anos de idade. A morte, por si mesma, foi uma companheira sua durante o livro inteiro a começar pelo seu irmãozinho, “menino que tinha cabelos de cor de limão”. No enredo, a morte continua ceifando os seus melhores amigos em fuga frenética, nocauteados por bombardeios malvados. Na trama, afinal, quase todos acabam morrendo. A própria Liesel se deparou com a morte algumas vezes e o fato de a ter superado lhe impressiona a ponto de questionar fortemente o sentido da vida e da sobre vida. Hans é um protagonista muito especial. “Olhos de prata” e coração de veludo, ser humano bondoso e compadecido. O texto também contempla dimensões surpreendentes e sutis da cultura e das tradições germânicas. O primeiro livro raptado foi o “Manual do Coveiro” derrubado da mala do jovem que sepultara seu maninho. Ao todo, foram quatro anos de pequenos roubos de livros. A menina obteve dos livros palavras que lhes serviram de significativos “conceitos” para toda sua existência.
No enredo aparecem namorados que ela nunca teve e melhores amigos quase irreconhecidos. Entre a simbologia escolhida pelo autor estão o livro e a morte. O símbolo livro representa no texto, um recurso de vida, no geral, a própria vida. O símbolo morte adquire surpreendente significação. O sadismo nojento (esqueleto, manto negro, foice...) da figura ocidental de morte é substituído por uma imagem bem humanizada e, pasme o leitor, bondosa. Como narradora da vida, aqui da vida de Liesel, a Morte percebe traços de altruísmo e benemerência no ser humano. Refere-se a árvores, nuvens como parceiros seus, colegas seus. Portanto, homens, natureza, vida e morte, tudo faz parte de uma coisa só, a existência dos seres humanos. A narradora mostra aspectos surpreendentes da sua personalidade, enquanto Morte. Ao narrar a vida demonstra reconhecer o seu valor intrínseco, suas cores, seus momentos, as tristezas e as felicidades, as sobrevivências, as amizades e os amores. Inocenta o furto sendo este nada mais que um refúgio, recurso de companheirismo e sobrevivência. Instrumento do solidário.
Mesmo tratando de extermínios, tragédias, destruição, guerra, ódio, abandono, o livro encerra uma mensagem super otimista. Mostra com singeleza e beleza, que a generosidade humana pode sobreviver nas condições mais adversas. Enfatiza contrastes como aquele entre a inocência e o grotesco, a ingenuidade e o brutal. O livro mexe com a cabeça do leitor, com o seu corpo inteiro, com a sua mente e com a sua vida. Cuidado leitor, a ingênua menina que furta livros, no final da história, quase que por encanto, pode furtar o seu coração!

A Menina que Roubava Livros, tradução de Vera Ribeiro, Editora Intrínseca, 500 pp.

AMAR DE NOVO

UM MUNDO RECRIADO

O romance “Amar de novo” de Danielle Steel, conta a magnífica lenda de Isabella, mulher de Amadeo, herdeiro da Casa de San Gregorio, o templo maior da alta-costura italiana. Foi designer chief do império, um posto que qualquer profissional do ramo daria a vida para obter. Isabella di San Gregorio era uma rainha em cada milímetro do seu ser. Aos 22 anos já era uma mulher extraordinária e um gênio singular no setor de desenho de moda. Isabella amava Amadeo. Ele, a maior paixão de sua vida. Na verdade, Amadeo significava mais do que a sua plena realização profissional. Era o centro convergente de sua existência. Homem gentil, terno, forte. Ambos estavam ligados pelos laços do corpo e da alma. “Ver Isabella olhar nos olhos de Amadeo era vê-la desaparecer neles, mergulhar numa parte mais profunda de si mesma, vê-la crescer e voar com suas asas abertas de par em par”. As relações entre Isabella e Amadeu transcendiam o imaginável.Amadeo fazia a sua mulher “sentir-se ilimitada, mostrara-lhe o que ela era, que podia ser tudo que quisesse e fazer tudo que desejasse...” Para ela, o seu amado personificava aquele deus grego de uma centena de quadros da Uffizi em Florença, a estátua de ombros largos, cheio de graça e de indescritível elegância. Tudo em Amadeo era autêntico. “Nada havia de falso ou imperfeito, nada emprestado, nada roubado, nada irreal”. Isabelle, na sua companhia vivia a glória e o encantamento. Ambos dirigiam o seu negócio na mais poderosa mansão da alta costura de toda a Itália, com ramificações pelo mundo. Mas, os deuses do destino acharam por bem interferir no jogo. Amadeu foi seqüestrado e em plena negociação de valores e condições, foi estrangulado e morto pelos seqüestradores. A tragédia pôs à prova a capacidade de recuperação de Isabella. Primeiro foi o acordar-se do pesadelo. Depois foi reconstruir a vida, sua e do seu filho, Alessandro. Tinha negócios a recompor, laços a refazer. Agora Isabella podia clamar a todo o mundo que é absolutamente verdade que tudo é muito tênue na vida. “...Veja bem. É a mesma coisa. Nada é eterno, Isabella. Coisas boas e coisas ruins. Nós dois sabemos disso agora. Você não pode cortar uma árvore porque ela ainda não está florida. Precisa esperar, alimentá-la, amá-la. Quando chegar a hora, ela torna a reviver. ...” Não podia olhar para trás. Tudo o que era preciso agora era viver e amar de novo. A autora utiliza uma mulher forte, glamourosa, inteligente e super carismática para mostrar o quanto é possível renascer e recriar o mudo de cada um e que, adversidades são elementos estimulantes á resistência humana. Não, contudo sem as seguintes pré-condições: virar definitivamente a página, estabelecer novos e claros objetivos, persistir, influenciar outras pessoas, amar, amar muito e devotadamente. A autora emprega um estilo encantador de texto, temas fascinantes como, o universo mágico feminino, a paixão pela vida. Coloca tudo numa linguagem acessível, sutil, delicada e versátil. Trata de detalhes significativos; explora apropriadamente o drama, tragédia, surpresas, alegria, tristeza e todas as emoções que todos vivemos. Impregna o seu texto de muito romantismo, onde a mulher desempenha papéis essenciais sempre. Isto ajuda a explicar porque Danielle Steel é considerada hoje a rainha dos best-sellers em inúmeros idiomas e em mais de 140 países. Para a autora, reconstruir é uma condição de vida. É sempre preciso viver intensamente e amar de novo. Sempre, sempre.
Danielle Steel. Amar de Novo. Rio deJaneiro Record, 2007

ASMENTIRAS QUE OS HOMENS CANTAM


PEGA NA MENTIRA...


Veríssimo fez do seu livro, “As mentiras que os homens contam”, um tratado da mentira no cotidiano de todos nós. Reúne histórias, algumas inéditas. O leitor vai topar consigo mesmo em alguma mentira contada no livro, com toda certeza. Afinal de contas, o que fazer quando você se para com um estranho que lhe pergunta: E aí, cara, não se lembra de mim? Aí você que ser simpático, “claro”... E ele insiste, “mas, de onde, mesmo?”. Quem não teve de inventar uma tremenda dor para a sua mãe, para não ter de ir á aula, já que não fez o tema do dia? O que dizer para a esposa que flagra o marido numa loja de lingerie, sendo que ele nunca lhe deu uma peça sequer, há anos de casados? Segundo o autor as mentiras que os homens contam já começam na infância. E a primeira vítima é invariavelmente a própria mãe. Depois vêm as namoradas, a esposa, a sogra, a amante, os amigos, o chefe. Torna-se uma incrível compulsividade masculina.
Em uma pesquisa de mercado.
-“O senhor tem amante?
- Foi minha mulher que o mandou?
- Onde é que está o microfone? É chantagem, é?
- Não, cavalheiro. Nós...
- Está bem, está bem... Tem uma moça que eu vejo , mas nem se pode chamar de amante. Pelo amor de Deus! É só meia hora de três em três dias. E ela é bem baixinha“.
O autor quase faz crer que mitirinhas que os homens contam provam a teoria de que os fins justificam os meios. Livram a cara. E isto é tudo. Até parece que todas as mentiras são apenas pecadinhos não mais do que veniais. Pois, mente-se até por amor ou para preserva-lo. Tornam-se em histórias claramente mal contadas, em que historiador e ouvinte se convencem de que, embora algo não esteja muito certo, vamos e venhamos... dá para tolerar na boa. E já que não faz tanto mal, o que tem demais uma mentirinha qualquer? E que seria de nós se contássemos e ouvíssemos a verdade sempre e nada mais que a verdade? O os fins são múltiplos: evitar constrangimento, se livrar de broncas, necessidade de ser gentil, apenas levar a vida na gozação. Fazem parte integrante do dia-a-dia. Mentiras no texto são defendidas a todo o custo, ainda que isto cause muitas e muitas lágrimas... de tanto rir....
Veríssimo apresenta com grande perceptividade e ironia criativa, todos as dicas, os macetes, as desculpas mais esfarrapadas que a sociedade utiliza. É uma crítica arguta da visão machista do marido brasileiro típico. No fundo, será que a mulher não curte a mentira dos seus maridos para a sua (dela) única conveniência? É leitura divertida, agradável do início ao fim, totalmente livre de moralismos ou estereótipos.

Luiz Fernando Veríssimo, As Mentiras que os Homens Contam, Edirora Objetiva, Rio de Janeiro, 2002.

O CORPO VIVO

O PREÇO DA ESCOLHA

Cajango é o protagonista nuclear do romance de Adonias Filho, “Corpo Vivo”. É dele o corpo que conseguiu sobreviver ao ataque dos jagunços que quiseram se apossar das terras da sua família. A tragédia marca a trama inteira, do início ao fim. A posse da terra era disputada acirradamente, a cada metro quadrado, para o que, tudo valia, sem nenhum limite legal ou ético. “O mundo é muito grande – Alonso disse – mas querem as terras de Januário”.. Aquelas terras valiam ouro e os Bilá tinham um exército no rifle. Que Deus guardasse o compadre Januário!”. Seu Januário era o pai de Cajango.
No sertão não tinha lei, não tinha Estado. E cacau valia ouro. As brigas eram um jeito de relações interpessoais neste rude e selvagem espaço humano. Era a forma de se obter a posse de roças fecundas. Por ali, terras boas para o cultivo do cacau eram fonte de riqueza e de discórdias. Agricultores eram expulsos ou mortos como aconteceu com Januário e a sua família, menos Cajango.
A rudeza das inter-relações humanas é refletida em cada personagem da novela, mostrando a dificuldade de uma vida sem justiça. Daí que ”a chacina da família de Januário foi a forma encontrada pelos Bilá para se apossar das suas terras da Fazenda Limões onde já vicejava o ouro, sob o nome de cacau”.
Entra na trama o índio Inuri, tio de menino Cajango, que o adota e o cria com o propósito de torna-lo um vingador. Foi para tal fim que o adestrou e o motivou, todos os dias, ao longo da sua infância e juventude. Em conseqüência disso a “escola” do tio Inuri era rodeada de um clima composto de sentimentos de ódio e vingança. “Era para isso que ele vivia. Era assim que o seu tio o tinha criado...”.
A surpreendente virada no jogo se dá quando Cajango apaixona-se por Malva. Isto não teria nenhuma importância se ela não fosse do sangue ruim dos jagunços.
E, por fim a vingança não se fez. Malva tocou forte o coração de Cajango. ...”Depois que Cajango conheceu Malva nunca mais foi o mesmo...” “Por causa dela Cajango enfrenta Inuri matando-o...”. Cajango deixa para trás o mundo que conhecia. Parte em busca da realização do seu amor em um lugar seguro para si e para o seu novo jeito de viver. “Para ele, a mulher significa a sensação ainda não experimentada de amor, de segurança, um ninho a ser construído...” É assim que a ficção trágico-romântica do “Corpo Vivo” revela a capacidade do homem para realizar a sua escolha existencial na tarefa da construção do “si mesmo”, a necessidade que as pessoas têm de afirmar a sua identidade, a essencialidade da busca do ser autêntico, verdadeiro, mesmo que transgressor, embora para isso haja um preço pesado a ser pago.
Adonias Filho, CORPO VIVO, 25a ED. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993.

O ENIGMA DE PARIS


O SABOR DO MISTÉRIO


O livro “o Enigma de Paris”, romance policial, do escritor argentino Pablo de Santis, lhe valeu o Prêmio Planeta Casamérica, tornou-se uma sensação literária. É uma revivescência do gênero detetivesco com intrigas, assassinatos que aconteceram em Paris, por ocasião da Macro Exposição Universal que aí ocorreu no ano de 1889. Paris ainda era iluminada por lampiões de gás. Trata da iniciação da vida policial de um jovem detetive. “Pensei que não há na vida maior glória que fazer um salvo-conduto do próprio nome, capaz de abrir portas e seduzir pessoas. Desci ao salão com a alegria que devem sentir os conspiradores diante de cada mistério, diante de cada símbolo que lhes indique que estão longe de coisas triviais da vida”. No enredo, um grupo de elite de detetives na época os mais famosos do mundo, quase inabaláveis, acaba por descobrir que um deles foi morto na base da Torre Eiffel, ainda na sua fase de construção, na virada do século 19 para 20. A própria construção era nesta época bombardeada por muitas críticas. A expectativa era que os investigadores infalíveis iriam revelar segredos de sua arte ao mundo, com base nos seus casos mais sérios e conhecidos. Estavam se preparando para mostrar a força de uma filosofia investigativa peculiar, seus métodos, a concepção de crime e tudo mais. Mas, a surpreendente e enigmática morte de um dos seus membros muda planos do grupo e aumenta a exigência das suas celebradas habilidades. A hipótese mais aparente, e os detetives sabem que esta deve ser descartada em princípio, já que pode ser enganosa, era de que tudo era obra de um serial kller. O trabalho de Pablo de Santis está na crista da moderna onda da literatura contemporânea policial. Os detetives são personagens clássicos que se impuseram por uma certa arrogância em quase todos os textos deste gênero. E no enredo os famosos “Os Doze” jamais poderia se abalar com o incidente focalizado. Esta é uma questão foco do enredo e uma questão de honra para o elenco deste romance policial. Os detetives, com efeito, justificam a relevância do seu papel social com uma forte metáfora: são homens que procuram a verdade mais límpida possível em um mundo de aparências enganosas. A argúcia sempre foi o ponto alto dos grandes investigadores da vasta literatura deste gênero. E o autor aqui faz salientar uma outra capacitação fundamental, a perceptividade e a intuição arguta. O autor admite que, com suas observações criativas e intuição, não apenas solucionam um enigma como ilustram um caso policial com suas abstrações filosóficas, as suas idéias. Assim é que eles, os detetives, vão se libertar do senso comum e da conclusão leviana e superficial. Pablo de Santis usa Paris como palco das ações dos seus personagens pela sua similitude arquitetônica e urbanística e cultural. Trata-se de uma das melhores obras latino-americanas dos últimos tempos. Uma novela divertida. Um texto bem escrito. Misterioso ao gosto dos leitores deste gênero.
Pablo de Santis. O Enigma de Paris. Rio de Janeiro: Planeta do Brasil, 2007, pp. 256,

TROPA DE ELITE

AS ORIGENS DA VIOLÊNCIA

O filme mostra uma das mais cruéis faces da violência na sociedade contemporânea brasileira, sem indicar absolutamente nada de boas perspectivas. Pode ser considerado como um bem fundamentado tratado da sociologia dos nossos tempos, em especial nas regiões metropolitanas do nosso país. Mostra cristalinamente que a violência e a violência policial são conseqüências diretas de um tipo de sociedade penalizada pela deseducação e pela ausência de valores básicos de convivencialidade no sentido dado ao termo por Ivan Ilich. O Filme retrata com muita fidelidade um ponto de encontro, de convergência. Deparam-se frente a frente, tal como ocorre no cotidiano das nossas cidades, marginais e policiais, ambas as categorias deseducadas ou com personalidades deformadas por um aprendizado social nas inúmeras subestruturas a que se submeteram: famílias ausentes, escolas fracas humana e tecnicamente, comércio espertalhão, empresas espoliativas, clubes esportivos geridos por delinqüentes, formação universitária fraudulenta, políticos imorais, Estado cada vez menor, poderes públicos (legislativo, judiciário e executivo) deservidos por criminosos representantes; acrescido a isto tudo a enorme e crescente dissimilitude econômica da sociedade em que vivemos. Todos estes elementos, na proporção da experiência de vida individual, são fortemente determinantes da atuação dos protagonistas do filme e por extensão daquelas categorias, os bandidos e os militares. O embate somente poderia ser a tragédia da forma como foi expressa. E o trágico embate está muito bem representados na visão competente do cineasta e no desempenho destacado do selecionado elenco.
O filme se baseia no livro Elite da Tropa, escrito pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro e ex-secretário Nacional de Segurança Pública do governo Lula, em co-autoria com dois policiais do Bope. O diretor José Padilha é o mesmo que dirigiu o Ônibus 174. Conta a saga de um militar que, em crise pessoal, vive a controvertida experiência na caserna, intermeada de corrupção dentro das entranhas da sua organização. Busca um substituto que deveria ser tão brilhante como ele, a partir de exigentes e obcecadas critérios de escolha. A música é envolvente, a maior parte das cenas está impregnada de truculência e autoritarismo. Mas estas técnicas são apenas suportes a um rico conteúdo sociológico cientificamente bem ordenado e super atual.
E o contemplativo cidadão brasileiro sente-se órfão de polícia e de justiça e perde o seu referencial de segurança pelo que paga regiamente por meio dos impostos e das pesadas taxas recolhidas aos cofres públicos.
Por muitas razões o filme choca. É provocativo. Induz á reflexão. Controverte: quem é herói? Quem é vítima? Quem sustenta as duas máquinas em confronto? Ajuda a compreender a antropologia do povo brasileiro e dos seus desafios diante da lei.

MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES

CELEBRAÇÃO DA VIDA

Primeiros os preconceitos afloram: livro de putaria... caduquices de um velho... ocaso do escritor com um “livrinho” de pouco mais de cem páginas... Mas, afinal, o homem é prêmio Nobel, senhores e senhoras... Trata-se de uma novela de Garcia Marques, “Memórias de minhas putas tristes”. Seguinte: um jornalista recebeu de Deus o presente de chegar aos 90 anos de idade, fase da vida em que se “começa a medir a vida não pelos anos, mas pelas décadas”. Haveria uma celebração. E porque não de forma bem diferente? Para ser assim teria de ser fazendo um amor inimaginável com uma garota virgem. “Para aquela noite tinha de ser uma donzela”. A trama gira ao redor de a poucos protagonistas, os mais importantes são três: Um não tem nome, é o narrador das reminiscências, na primeira pessoa. A cafetina Rosa é a dona do bordel. Por fim, a Delgadina é a menina moça que, sem lá entender bem o que ocorria, topou o programa com o coroa de 90 anos. Ele, veterano no sexo comprado, solteirão, alegando, com certa ironia: “as putas não me deram tempo para casar” Ela, bem mocinha ainda: Os seios recém-nascidos ainda pareciam de menino, mas viam-se urgidos por uma energia secreta a ponto de explodir”. Bem educada, porém, temerosa: “porque uma amiga dela que escapou com um estivador de Gayra em duas horas tinha sangrado até o fim”. E, o contador das memórias preparou-se a rigor para realizar o desejo que acredita ter sido um sinal que Deus lhe enviou, vestido de acordo com a ventura da noite: “o terno de linho branco, a camisa de listas azuis de colarinho acartolinado com goma, a gravata de seda chinesa, as botinas remoçadas com parafina e o relógio de ouro de lei com a corrente abotoada na casa da lapela”. Na sua cabeça que antecipava o ansioso encontro, pensamentos desencontrados. ...o que é que eu posso fazer se você não gosta de mim? ... “sou feio, tímido e anacrônico”. Entre delírios, o tempo de espera vai gerando lembranças e um verdadeiro balanço das suas coisas: “Minha idade sexual não me preocupou nunca, porque meus poderes não dependiam tanto de mim como delas, e quando querem elas sabem o como e o porquê”, garante a si mesmo. Relembra de si mesmo como se estivesse diante de um espelho, conversa consigo mesmo de sua senioridade, dos seus esquecimentos, das suas distrações. Ri um pouco de tudo, examina até com admiração aquilo tudo que a vida lhe deu, até mesmo o isolamento que o destino caprichosamente lhe reservou: Nunca tive grandes amigos, e os poucos que chegaram perto disso estão em Nova York. Quer dizer: mortos, “pois é para lá que eu acho que vão as almas penadas para não digerir a verdade de sua vida passada”. Enfim, o encontro se dá. Após isso, são múltiplos os desdobramentos. Que incluem, encontros desencontros, tragédias e amores, mistérios. Mas, o certo é que: “Obnubilado pela evocação inclemente de Delgadina adormecida, mudei sem a menor malícia o espírito de minhas crônicas dominicais. Fosse qual fosse o assunto as escrevia para ela, nelas ria e chorava para ela, e em cada palavra se ia a minha vida”. Linguagem, estilo, argumentação de Gabriel García Márquez não precisam ser avaliados, prevalecendo, portanto, o princípio de que “quem foi rei sempre será majestade”. Por tudo, isto, o presente é mais um presente aos seus assíduos leitores de incontáveis best-sellers. Mais especificamente as mensagens implícitas sobre aquilo já consagrado que diz que:...A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente. Lá pelas tantas o autor lamenta:...Os adolescentes da minha geração, ávidos pela vida, esqueceram de corpo e alma as ilusões do porvir, até que a realidade lhes ensinou que o futuro não era do jeito que sonhavam e descobriram a nostalgia.... E, o professor do amor ensina: A paixão do homem pela sua existência não tem admiravelmente limites e para validá-la nada é tão sacrílego, portanto.

Gabriel García Márquez. Memória de Minhas Putas Tristes. R.io de Janeiro: RECORD, 2005, 127 pp.
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O ASSASSINO

CONFLITOS DA ALMA
Arthur Schnitzler, dramaturgo, crítico, romancista e contista, austríaco. Estudou Medicina e Psiquiatria, tornando-se amigo pessoal de Freud. Trocando, depois a clínica pela literatura, área em que consegue respeitabilidade mundial. Produziu a novela, “O Assassino”. No texto são duas as principais personagens: Alfred, um jovem doutor em direito, egresso da Universidade de Viena e Elise, uma bela jovem, empregada no comércio local. Alfred desfruta de uma vida sem nenhuma preocupação de ordem material e sem laços familiares remanescentes. Convence a noiva para deixar o emprego e ambos passam a se curtir numa relação matrimonial invejável. A rotina da relação começou a mexer com a cabeça do jovem Advogado, em especial pelo fato de um dos seus amigos mais próximos ter contraído casamento e estar passando por experiência intolerantemente tediosa, segundo ele. Este receio começou a atribular a cabeça de Alfred. Sofria com o dilema de estar ao mesmo tempo devotando muita ternura pela esposa e ao mesmo temo com a intenção de romper o casamento. Numa celebração familiar Alfred foi apresentado á bela Adele pela qual se encanta. Inicia-se uma relação de jogo duplo que lhe envolvia e causava-lhe forte e quase insuportável estresse. Elise padecia de uma doença cardíaca que não revelara antes a Alfred. Começou a ter crises com freqüência. Em princípio Alfred pensou que teria alguma relação com a situação que ele estava vivendo. Mas, foi em frente. Procurou pedir Adele em casamento pra o seu pai que, concordou, porém recomendou-lhe que fizesse uma viagem durante um ano, tempo em que o seu amor pela filha, seria posto à prova. Na volta o noivado seria confirmado. Alfred concorda. Faz a viagem para a qual convida Elise. Elise teve graves crises profundas. Alfred passou a viver terrível angústia, pois, sua comunicação com a pretendida Adele, ia se tornando muito dificultada. O conflito interno acirrou-se. Vivia uma realidade adversa por um lado e um sonho esplendoroso, de outro. Urdiu um plano que teve tudo para dar certo. Incidentes de muita surpresa foram ocorrendo na viagem marítima, no barco e nas paradas em terra, durante um longo período de tempo que durou a viagem. Os desdobramentos depois da chegada em terra também causam perplexidade.
O texto de Arthur Schnitzler é refinado em envolvente. Uma leitura agradável e divertida. A trama enleva pelo inteligente suspense. Um conteúdo psicológico que reflete a sua profunda visão psicanalítica da existência humana. Altamente revelador da intimidade da personalidade quanto às lutas internas que o homem trava para domar as suas bestas internas, necessidades contraditórias de amar e odiar e as múltiplas maneira que utiliza para expressa-las.
Arthur Schnitzler. O assassino. Texto disponibilizado na internet. Tradução de George Bernard Sperber, sem data, 80 pp.

O CAÇADOR DE PIPAS

ARMADILHAS DO INCONSCIENTE
O romance “O caçador de Pipas”, do escritor afegão Khaled Hosseini, hoje residente nos Estados Unidos, foi publicado lá no ano de 2003. Conta a história de dois meninos Amir e Hassan. Um muito rico e outro muito pobre e iletrado. O enredo inicia em ambiente tumultuado pela truculenta invasão européia no Afeganistão que determinou uma debandada de afegãos buscando refúgio político no Paquistão e nos Estados Unidos. Termina da Califórnia. Amir perdeu a mãe no parto, teve uma relação sem afeto com o pai e tem na figura de Hassan, o seu melhor amigo. Filho de empregado do pai de Amir, portador do defeito físico nato de lábio leporino. O pai de Amir devotava grande afeição ao menino pobre a ponto de pagar-lhe uma plástica e resolver o seu pequeno defeito natural. Hassan era fiel escudeiro de Amir. Destaca-se no campeonato anual de pipas em Cabul. Hassan destaca-se por ser exímio caçador de pipas, aquele que apanha as pipas para exibi-las como troféus. Aos dez anos, Amir também se destaca e torna-se campeão, ganhando com isso especial prestígio junto ao seu pai. Hassan foi brutalmente violentado por um inimigo em comum. Amir, embora tenha testemunhado o incidente, fica imóvel e não defende o amigo, fato que lhe provoca sentimento de culpa e turva o seu relacionamento. Recebeu um caderno em branco de presente de aniversário para que contasse as suas histórias. Mas, Amir não resiste o sentimento de culpa e quis livrar-se da incriminante e insuportável presença de Hassan em sua casa. Prepara uma ardilosa armadilha, escondendo coisas de valor na sua bolsa para incrimina-lo. Mesmo sabendo-se inocente, Hassan prefere confessar o delito para não complicar o amigo. O seu pai se muda para longe em decorrência de tal fato. Amir não consegue superar o tormento da culpa. Mais tarde deixa o país para refugiar-se nos Estados Unidos para fugir dos soviéticos. Amir se casa e o seu pai acaba morrendo de câncer. Hassan, depois da casado torna-se soldado e é morto com sua mulher por um soldado taliban em conseqüência do que o seu filho, Sohrab, é internado em orfanato. Revelações depois da morte de Hassan surpreendem. Reveses do destino ocorrem a Amir e sua mulher. Estes voltam a refugiar-se nos Estados Unidos. Por fim, um acontecimento arrebatador com pipas nos Estados Unidos, lhe provoca liberação do sentimento de culpa que carregava deste menino e o reconcilia com a sua consciência. Texto objetivo e narrativa envolvente, tecida com linguagem muito afetuosa. O romance “Caçador de Pipas” traz relevantes questões históricas, culturais e religiosos do Afeganistão, sendo alguns tópicos de natureza universal. Tem se tornado por isso, um livro texto para disciplinas escolares no mundo todo. Das mais de oito milhões de cópias vendidas no mundo, um milhão já foram compradas no Brasil. Trata-se, portanto, de um best-seller mundial. Traz, com sutileza e uma certa profundidade, temas da vida de todos os homens vividos no dia a dia como, amor, fidelidade, honra, culpa, medo e por fim, a remição e, até mesmo, despertam fortemente tais sentimentos.
Khaled Hosseini . O CAÇADOR DE PIPAS Nova Fronteira, 2005, 365 pp.

O HOMEM DOMADO


EI, “MACHO MAN”, SÓ NO CINEMA...


O livro “O homem domado”, da escritora argentina, Esther Vilar já é quarentão, mas não deixa de ser super atual. Ela começa relatando uma cena do cotidiano. Um carro esporte para no acostamento de uma auto-estrada movimentada nos Estados Unidos com o pneu furado, em manhã de chuva. A motorista sai e assume a clássica postura desvalida de quem não se dá costumeiramente bem em tais situações. Não demora muito e um cavalheiro pára atrás e prontifica-se a resolver o problema. Suja o terno e as mãos. Ela oferece-lhe simpaticamente um lenço branco. Ele aceita, meio constrangido. Ela despede-se e ele volta para casa tendo de se reorganizar para o dia de trabalho.
A escritora, nascida nos anos 30, que se casou com um médico alemão, descasou-se dele, voltou a casar com o mesmo. Depois de ter andado pelas Américas, África e Europa, passando por vendedora, operária, balconista, tradutora, e secretária, virou médica e finalmente, escritora. Torna-se famosa em todo o mundo, como a mulher que rasgou os “papéis” sociais de homens e mulheres do seu tempo, depois se viu, de todos os tempos.
O homem em termos médios, estatisticamente, sagrou-se tão superior á mulher que não “permite” que ela faça absolutamente nada. A mulher assumiu, lá também em termos médios, uma tremenda submissão e uma fragilidade capaz de faze-la morrer de vergonha, medo, culpa, com muita facilidade para atender a expectativas que sobre ela eram postas e obter justificação de sua extrema dependência.
No seu livro, Esther Vilar diz que não é nada disso. Que o homem é um ser absolutamente subserviente e só faz o que fez no início do livro, por isso. Segundo ela, este é o verdadeiro “macho man”, aquele que se desdobra pela fêmea, que assume a conta pelo resto da vida, pagando moradia, comida, roupas finas, abrindo a porta do carro, trabalhando extraordinariamente, para “apenas”, segundo ela, adquirir um título de varão, e usufruir a ilusória posse. Sequer na cama ele consegue ser superior. Para afirmar isto ela se vale do seu savoir médico e biológico para explicar o fato de a mulher, unicamente ela, conseguir simular orgasmo. E assim, este é o ponto: a mulher subjuga o homem e ele se torna o seu escravo. Mas, paradoxalmente, ele se sente feliz...
Para Esther Vilar o mais significativo nas relações de gênero, para a mulher, é garantir que sempre haverá alguém que faça as coisas por ela. Totalmente compreensível, claro, diante dos valores que a “educação” provia, mais as leituras da adolescência e as mensagens das telenovelas. Aqui os perfis femininos e masculinos impingidos e introjetados determinavam o contraste da seguinte maneira: mulheres frágeis, delicadas, puras e homens orgulhosos, fortes e dominadores.
Nesta precisa época vingava aquele paradigma em que o binômio amor/casamento que se consolidava na relação homem/mulher, onde o menos importante e o mais ausente ou camuflado seria o eros e a mais presente a repressão. A partir disso, aquela mulher crítica, que pensava, falava, escrevia, discutia, reclamava, se revoltava, teria que ser necessariamente a mais feia, mais masculina e conseqüentemente, mais perigosa.
Esther Vilar desmascara a conveniência. O que para todos era compreendido e aceito não era para ela. Foi ameaçada de morte pelas feministas já que anulara a força da sua luta. Para a escritora, a mulher já era e sempre foi um ente soberano, o que não penava a senhora Betty Friedan e suas seguidoras. O texto, publicado inicialmente em 1972, foi reeditado em 1998, é polêmico, chocante, provocador e, ao mesmo tempo, divertido. Ridiculariza o homem sem que com isso elogie a mulher que para ela são umas exploradoras. E ..“como contraprestación le pone la vagina a su disposición a intervalos regulares”. Pode-se até assegurar que Esther Vilar utiliza em sua obra fortemente a teoria antropológica da vagina, criada por ela mesma, pois é precisamente com esta ferramenta que ela mulher tortura e submete o homem.
Esther Vilar.O Homem Domado. Rio: Nórdica, 1972, 160 pp.

O HOMEM DOMADO


EI, “MACHO MAN”, SÓ NO CINEMA...


O livro “O homem domado”, da escritora argentina, Esther Vilar já é quarentão, mas não deixa de ser super atual. Ela começa relatando uma cena do cotidiano. Um carro esporte para no acostamento de uma auto-estrada movimentada nos Estados Unidos com o pneu furado, em manhã de chuva. A motorista sai e assume a clássica postura desvalida de quem não se dá costumeiramente bem em tais situações. Não demora muito e um cavalheiro pára atrás e prontifica-se a resolver o problema. Suja o terno e as mãos. Ela oferece-lhe simpaticamente um lenço branco. Ele aceita, meio constrangido. Ela despede-se e ele volta para casa tendo de se reorganizar para o dia de trabalho.
A escritora, nascida nos anos 30, que se casou com um médico alemão, descasou-se dele, voltou a casar com o mesmo. Depois de ter andado pelas Américas, África e Europa, passando por vendedora, operária, balconista, tradutora, e secretária, virou médica e finalmente, escritora. Torna-se famosa em todo o mundo, como a mulher que rasgou os “papéis” sociais de homens e mulheres do seu tempo, depois se viu, de todos os tempos.
O homem em termos médios, estatisticamente, sagrou-se tão superior á mulher que não “permite” que ela faça absolutamente nada. A mulher assumiu, lá também em termos médios, uma tremenda submissão e uma fragilidade capaz de faze-la morrer de vergonha, medo, culpa, com muita facilidade para atender a expectativas que sobre ela eram postas e obter justificação de sua extrema dependência.
No seu livro, Esther Vilar diz que não é nada disso. Que o homem é um ser absolutamente subserviente e só faz o que fez no início do livro, por isso. Segundo ela, este é o verdadeiro “macho man”, aquele que se desdobra pela fêmea, que assume a conta pelo resto da vida, pagando moradia, comida, roupas finas, abrindo a porta do carro, trabalhando extraordinariamente, para “apenas”, segundo ela, adquirir um título de varão, e usufruir a ilusória posse. Sequer na cama ele consegue ser superior. Para afirmar isto ela se vale do seu savoir médico e biológico para explicar o fato de a mulher, unicamente ela, conseguir simular orgasmo. E assim, este é o ponto: a mulher subjuga o homem e ele se torna o seu escravo. Mas, paradoxalmente, ele se sente feliz...
Para Esther Vilar o mais significativo nas relações de gênero, para a mulher, é garantir que sempre haverá alguém que faça as coisas por ela. Totalmente compreensível, claro, diante dos valores que a “educação” provia, mais as leituras da adolescência e as mensagens das telenovelas. Aqui os perfis femininos e masculinos impingidos e introjetados determinavam o contraste da seguinte maneira: mulheres frágeis, delicadas, puras e homens orgulhosos, fortes e dominadores.
Nesta precisa época vingava aquele paradigma em que o binômio amor/casamento que se consolidava na relação homem/mulher, onde o menos importante e o mais ausente ou camuflado seria o eros e a mais presente a repressão. A partir disso, aquela mulher crítica, que pensava, falava, escrevia, discutia, reclamava, se revoltava, teria que ser necessariamente a mais feia, mais masculina e conseqüentemente, mais perigosa.
Esther Vilar desmascara a conveniência. O que para todos era compreendido e aceito não era para ela. Foi ameaçada de morte pelas feministas já que anulara a força da sua luta. Para a escritora, a mulher já era e sempre foi um ente soberano, o que não penava a senhora Betty Friedan e suas seguidoras. O texto, publicado inicialmente em 1972, foi reeditado em 1998, é polêmico, chocante, provocador e, ao mesmo tempo, divertido. Ridiculariza o homem sem que com isso elogie a mulher que para ela são umas exploradoras. E ..“como contraprestación le pone la vagina a su disposición a intervalos regulares”. Pode-se até assegurar que Esther Vilar utiliza em sua obra fortemente a teoria antropológica da vagina, criada por ela mesma, pois é precisamente com esta ferramenta que ela mulher tortura e submete o homem.

O HOMEM QUE NÃO GOSTAVA DE BEIJOS


ELÉGIAS AO ANTI-HEROISMO


É um livro de contos. Tem, entretanto, um protagonista principal. Muda muito. De sexo, de épocas, de forma, de cor. Pode ser um velho: no conto, “A carne”, o cavalheiro mais idoso, já meio parksoniano, sai de casa para ir ao açougue. Finaliza se identificando assim: “Meu nome é Horace Catskill, minhas veias e principais artérias são o mais completo caos”. No conto, “A vaca”, um personagem banguela, sente tendências irresistível à pedofilia. Em, “Os poemas” um professor se complica, pois, suas estratégias sedutoras o traíram e irritou suas alunas, elas chamam a polícia e o cara vai em cana. De contos em contos, ou de pedaços em pedaços, os engraçados e esquisitos personagens incorporados pelo protagonista Horace Catskill vão surpreendendo e divertindo. Já na apresentação se lê:... “Edward Pimenta experimenta com a escrita de forma lúdica, grotesca, lindamente erótica (nunca sendo vulgar), manipulando a linguagem como os melhores autores, e nos leva àquele lugar em que estamos quando estamos sós e nos checamos sós diante da finitude do universo: sozinhos diante de nós mesmos, com uma imagem vaga de quem e do que nós somos”. Com uma prosa fluente e natural o texto desliza sobre um elenco de tipos de esquisitos anti-heróis. A linguagem do autor é clara, mas sem sutilezas. Em lugar disso, uma tremenda criatividade de tons e corres e formas que impressionam. Assim, um pedaço do texto: “Não seria preciso relatar essa atroz limitação –minhas palavras não ensejam nuanças mais verossímeis--, não fosse o senso de responsabilidade que anda me oprimindo; há tempos tenho pensado em apagá-las da memória. Mas sucede que a morte desta mulher de noventa anos ocorreu naturalmente, como se havia de supor naquele verão, perturbando uma ordem inatural de coisas. Mãe de minha mãe, lembro de vagos cafunés por ela desempenhados burocraticamente, e as gemadas, um pó-de-arroz onipresente, suas orelhas brancas de velha com brincos vaidosos, um sistema circulatório-tegumentar frágil como nata de leite”. Pimenta brinca com o texto. Não usa clichês moralistas. Chama a atenção pela inventividade de tipos do seu único personagem. Pelas inúmeras e surpreendentes composições dos seus tipos. Diverte. Um escritor bem brasileiro, com todos os ingredientes de sucesso de venda. Necessita, entretanto de mais suporte da grande mídia, não obstante seja proveniente do meio. Estava na hora de aparecer alguém que fuja dos padrões de textos quadrados, retilíneos ou prenhes de falso moralismo. Pimenta rompe corajosamente muitas barreiras, portanto. Atinge os propósitos de uma literatura lúcida e lúdica. Prazerosa. Edward Pimenta é jornalista dos bons, nascido no interior de São Paulo, excelente humorista, prosador talentoso e ser humano cosmopolita por excelência.
Edward Pimenta. O homem que não gostava de beijos. Rio: Record, 2006. 128 pp.
http://planetalivros.blogspot.com/

O NOME DA MORTE


PROFISSÃO: ASSASSINO


O livro “O nome da morte” é uma biografia, ou mais precisamente, uma reportagem investigativa. É história acontecida. O escritor é Kléster Cavalcanti, o protagonista, Júlio Santana, um jovem cuja profissão é simplesmente matar outras pessoas. Ao todo foram quase 500, antes de ter completado 35 anos de idade. Tudo anotado num caderninho. Sem que “pareça um sujeito violento ou agressivo”, conforme diz o autor, além do que, estava super a fim de falar sobre isso. Da longa conversa saiu o livro. No início da sua carreira Júlio Santana tinha apenas 17 anos. Matou um cara que abusara sexualmente de uma garotinha de 13 anos, ao mando do pai da menina. Era só um caçador. Dons bons. Tinha ótima pontaria. Ajudava a sustentar a família bem no sul do Maranhão, no lugarejo de Porto Franco. Já tinha um parente que cobrava para matar, o tio Cícero que também era policial. Como o tio Cícero adoeceu na véspera de uma execução, o sobrinho Júlio Santana o substituiu. Fez o serviço. Matou um pescador. Aprendeu com isso o seguinte: “se você não fizer o serviço, quem vai acabar morrendo sou eu. (...) nesse negócio é assim. Depois que a gente recebe o dinheiro, tem de fazer o serviço. Senão, quem acaba assassinado é o próprio pistoleiro. Você quer que eu morra?”. Dito e feito. Santana já era considerado um bom profissional a partir de então. Logo uma tarefa importante foi ajudar uns militares do exército a matar uns comunistas, em 1972, na cassa a guerrilheiros na famosa Guerrilha do Araguaia. Santana, assim, se tornara, sem saber, personagem da História Contemporânea do Brasil. Tudo isso influenciado pelo tio Cícero, seu mecenas. Era nas redondezas de Xambioá, na época, Goiás. Em Xambioá Júlio Santana assessorou um grupo e puderam caçar um guerrilheiro graúdo, José Genuíno. Disiludiu-se com uma namorada de anos. Vai morar em definitivo numa cidade grande, Imperatriz, onde vive o tio Cícero. O livro não é inventado. Nas palavras do autor: “Não há nada de ficção. Todos os nomes do meu livro são reais. Carlos Marra, por exemplo, é o nome do delegado que comandou o grupo do Júlio Santana no Araguaia. Inclusive, todos os nomes de mandantes de crimes e de vítimas são reais. Não usei a minha imaginação para nada. O livro é uma grande reportagem investigativa. Passei sete anos trabalhando na história do matador Júlio Santana”. Durante os sete anos que o autor trabalhou na investigação, sempre foi por telefone. Só no finalzinho, em 2006 foi que conheceu Júlio Santana em pessoa. Foi até Porto Franco. Morou três dias com Júlio Santana, segundo ele, “um homem calmo, bem-humorado, caseiro, carinhoso com a mulher e com os filhos e muito religioso. Um homem aparentemente comum. Perfil bem diferente dos assassinos que povoam a literatura e o cinema”. O trabalho de Kléster Cavalcanti mostra que para matar o cara não precisa ter as feições de um conde drácula ou olhos esbugalhados. Ele pode morar na tua casa e até mesmo demonstrar alguma afeição por você. O instinto de morte não é necessariamente agressivo. Matar pode não ser um prazer, pois, no caso de Júlio Santana, é uma profissão. Pode ter lá princípios como aquele que o tio Cícero ensinava: “Se você não matar, o infeliz vai morrer na mão de outro e tu deixa de faturar um dinheiro”. Terá também algum código de ética: “Jamais identifique o mandante, além de não receber, pode pagar caro por isso...” É um livro gostoso de ler. Surpreendente. Altamente revelador da natureza humana. O seu lado mais frio. Impressionantemente realista.
Kléster Cavalcanti. O Nome da Morte. Rio: Planeta Brasil, 2007.
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