RESENHA
Ernani Xavier
PROFISSÃO: ASSASSINO
O livro “O nome da morte” é uma biografia, ou mais precisamente, uma reportagem investigativa. É história acontecida. O escritor é Kléster Cavalcanti, o protagonista, Júlio Santana, um jovem cuja profissão é simplesmente matar outras pessoas. Ao todo foram quase 500, antes de ter completado 35 anos de idade. Tudo anotado num caderninho. Sem que “pareça um sujeito violento ou agressivo”, conforme diz o autor, além do que, estava super a fim de falar sobre isso. Da longa conversa saiu o livro. No início da sua carreira Júlio Santana tinha apenas 17 anos. Matou um cara que abusara sexualmente de uma garotinha de 13 anos, ao mando do pai da menina. Era só um caçador. Dons bons. Tinha ótima pontaria. Ajudava a sustentar a família bem no sul do Maranhão, no lugarejo de Porto Franco. Já tinha um parente que cobrava para matar, o tio Cícero que também era policial. Como o tio Cícero adoeceu na véspera de uma execução, o sobrinho Júlio Santana o substituiu. Fez o serviço. Matou um pescador. Aprendeu com isso o seguinte: “se você não fizer o serviço, quem vai acabar morrendo sou eu. (...) nesse negócio é assim. Depois que a gente recebe o dinheiro, tem de fazer o serviço. Senão, quem acaba assassinado é o próprio pistoleiro. Você quer que eu morra?”. Dito e feito. Santana já era considerado um bom profissional a partir de então. Logo uma tarefa importante foi ajudar uns militares do exército a matar uns comunistas, em 1972, na cassa a guerrilheiros na famosa Guerrilha do Araguaia. Santana, assim, se tornara, sem saber, personagem da História Contemporânea do Brasil. Tudo isso influenciado pelo tio Cícero, seu mecenas. Era nas redondezas de Xambioá, na época, Goiás. Em Xambioá Júlio Santana assessorou um grupo e puderam caçar um guerrilheiro graúdo, José Genuíno. Disiludiu-se com uma namorada de anos. Vai morar em definitivo numa cidade grande, Imperatriz, onde vive o tio Cícero. O livro não é inventado. Nas palavras do autor: “Não há nada de ficção. Todos os nomes do meu livro são reais. Carlos Marra, por exemplo, é o nome do delegado que comandou o grupo do Júlio Santana no Araguaia. Inclusive, todos os nomes de mandantes de crimes e de vítimas são reais. Não usei a minha imaginação para nada. O livro é uma grande reportagem investigativa. Passei sete anos trabalhando na história do matador Júlio Santana”. Durante os sete anos que o autor trabalhou na investigação, sempre foi por telefone. Só no finalzinho, em 2006 foi que conheceu Júlio Santana em pessoa. Foi até Porto Franco. Morou três dias com Júlio Santana, segundo ele, “um homem calmo, bem-humorado, caseiro, carinhoso com a mulher e com os filhos e muito religioso. Um homem aparentemente comum. Perfil bem diferente dos assassinos que povoam a literatura e o cinema”. O trabalho de Kléster Cavalcanti mostra que para matar o cara não precisa ter as feições de um conde drácula ou olhos esbugalhados. Ele pode morar na tua casa e até mesmo demonstrar alguma afeição por você. O instinto de morte não é necessariamente agressivo. Matar pode não ser um prazer, pois, no caso de Júlio Santana, é uma profissão. Pode ter lá princípios como aquele que o tio Cícero ensinava: “Se você não matar, o infeliz vai morrer na mão de outro e tu deixa de faturar um dinheiro”. Terá também algum código de ética: “Jamais identifique o mandante, além de não receber, pode pagar caro por isso...” É um livro gostoso de ler. Surpreendente. Altamente revelador da natureza humana. O seu lado mais frio. Impressionantemente realista.
Klester Cavalcanti. O Nome da Morte. Rio: Planeta Brasil, 2007.
Palavras-chave: impunidade, investigação jornalística, banalização da vida humana
http://planetalivros.blogspot.com/
domingo, 27 de janeiro de 2008
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