RESENHA
Ernani Xavier
CONTRASTES E CONFLITOS
O livro “Vida Dupla”, (As garotas de Riyad), nos faz acompanhar com muita ternura e admiração as aventuras de quatro meninas, Lamis, Michelle, Sadim e Gamra. Tudo acontece num ambiente que mescla muitos tabus, em especial com relação a dinheiro, religiosidade, arcaísmo de gênero. Trata da condição da mulher na Arábia Saudita. Pela primeira vez são trazidos em romance e publicados no mundo inteiro temas internos da Arábia Saudita com tanta realidade. O romance testemunha uma cultura de extremas contradições. As quatro meninas de Riyad permitem ao leitor penetrar nos mais secretos universos de uma sociedade super fechada, quebrando um vasto silêncio e escancarando a todos um mundo surpreendente e chocante. O enredo é feito assim: um cara anônimo, que faz no texto o papel de narrador, decide construir um enorme mailing de pessoas de Riyad, usando a internet. As garotas, usando nikks para ocultar as suas identidades são oriundas de uma instituição de ensino famosa na cidade e a mais conservadora e todas e são filhas de famílias ricas. No começo do livro elas já demonstram ressentimentos pelas convenções sociais vigentes e ostentam o enorme conflito, em comparação com outros países. Uma se casa, a Gamra, tida como a menos bela do grupo. Lamis é considerada a mais prendada e inteligente. Michelle tem este nome, pois é filha de mulher americana com pai saudita, algo altamente controvertido na sociedade em que vivem. Optam por usar roupas ocidentais, consideradas lá, um privilégio masculino. Tomam champagne Dom Perignon nas festinhas, o que afronta ás leis islâmicas. Especialmente um capítulo do livro é o detonador do “escândalo”. Aqui entra uma nova personagem, a Nuri, acima da média das idades das demais. Com ela rola um caso de preferência homossexual no grupo. Na sua casa acontece muita bagunça, numa tremenda e divertida mistura de garotos e garotas. Surgem papos bem francos sobre questões do aborto, perda precoce da virgindade, idéias sobre divorcio, tudo considerado tabu na sociedade em que vivem. Vêm filmes pornô, circula revistas e livros proibidos, ocorrem relações em segredo, aparecem cosméticos, fala-se e admite-se cirurgia plástica, marca-se encontros via internet, trata-se da questão de gravidez antes do casamento, de mulheres competindo no mercado de trabalho. Enfim, quase nada aqui é permitido na sociedade saudita. Tudo isso transgride frontalmente as leis do islamismo. Embora tenha outras características no livro, o seu foco é na interação entre as cinco pessoas, o narrador mais quatro protagonistas, com suas mães, pais, paqueras, amigos, colegas, professores... Segundo a autora, o seu trabalho mostra “o esforço de contar a história dos seus jovens... surge do desejo de desfazer a imagem errônea do seu país... e mostra que todos acalentam um grande anseio de dialogar com outras culturas...” Ela escreve uma verdadeira obra prima ao "falar da minha geração, a geração internet, assim...” O livro ficou preso em uma editora libanesa, por três anos, transformando-se num caso menos literário e mais social. Muitos contestaram a sua descrição da juventude saudita contemporânea, ansiosa por modernidade e cansada de alguns dos seus costumes. A autora teve idéia de escrever aos 18 anos de idade, ainda na escola, quando “quis escrever sobre nós, jovens sauditas, da nossa tentativa de fazer conviver com o Islam, as tradições e o nosso estio de vida com o acidental, de encontrar a justa combinação para sermos felizes”. Pode ser que não consiga avançar tanto quanto sonha, mas provocou uma verdadeira ventania neste sentido. Revelou o mundo da Arábia Saudita de uma vez. Mostrou que embora vivam sob o forte domínio masculino, as quatro garotas e todas as mulheres do seu país, acalentam a eterna procura do amor, ainda têm esperança e sonhos... Apaixonando-se e desapaixonando-se como qualquer garota do mundo.
Rajaa Alsanea. Vida Dupla. Rio: Nova Fronteira, 2005.
http://planetalivros.blogspot.com/
Palavras-chave: costumes, juventude, cultura
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
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