domingo, 27 de janeiro de 2008

O AMOR NÃO TEM BONS SENTIMENTOS

RESENHA
Ernani Xavier


AMOR, CARENTE AMOR...

O romance psicológico, policial, “O amor não tem sentimentos”, é um livro de Raimundo Carrero, escritor brasileiro que já foi premiado (Jabuti de 2000). Na trama um músico enlouquecido decide, no seu máximo delírio, matar a mãe e a irmão, com quem mantinha relações incestuosas. Mistura bem dosada de sexo com religiosidade. Segundo o autor, no Nordeste, onde tudo ocorre, a questão da violência está sempre associada à religião. De acordo com ele mesmo, Matheus (seu protagonista) “vem do caçador, do evangelista Matheus, embora perca o 'h' quando começa a desatinar. Até o nome dele muda, porque o nome é uma coisa fundamental num personagem. Um nome errado estraga o personagem. O próprio título do livro é relevante no contexto. Neste caso, “nasce justamente do desamor na casa, porque nós vivemos na casa, temos a casa como um padrão de vida. Veja bem: Biba, Matheus, Dolores e Ernesto se odeiam e se amam no lugar onde deveria existir apenas amor”. O autor (para quem “todo amor é egoísta e isso nunca pode ser bom”) justifica a combinação da loucura com religiosidade dizendo que, “aquelas pessoas que conheci na minha infância eram, ao mesmo tempo, loucas e religiosas...Por ter vivido no sertão arcaico, “conheci muita gente de batina e ajudei a celebrar muita missa. Em latim. Esse arcaísmo leva à loucura permanente de Matheus, um camarada que procura negar ou afirmar o que fez, mas apenas para se salvar. A loucura dele está num projeto de salvação, no sentido de encontrar uma solução para esses problemas extraordinários que ele vive, entre os quais o de ter matado a mãe e a irmã...” O autor fala magistralmente a língua dosdesvairados. Por esta razão, o seu trabalho foi apelidado de romance sobre a loucura. Para construir o romance, Carrero foi a busca de dois grandes arquétipos literários, Dom Quixote de Cervantes e o Raskolnikov de Dostoiévski. Sua obra parte de um lance não edipiano: garoto é abandonado pelos pais ao nascer, é criado pela tia e passa o resto da vida procurando remendar as partes de uma família que nunca fora sua, num modo que já não é mais possível... “Ao contrário da psicanálise – onde o paciente se volta ao passado e (em teoria) retorna fortalecido – em Carrero, o retorno só estreita os laços com o trágico, explorando o mundo dos insanos”. Complicado? Ele mesmo explica: “Eu sou muito impressionado com a loucura, que é um tema recorrente na minha obra, porque não vejo lucidez em lugar algum. A minha ‘família literária’ me angustia muito". E, apesar da imagem trágica do primeiro capítulo, o escritor quis fazer desse o seu livro mais leve. Mas de uma leveza obtusa, nutrida pela humanidade com que impregnou todos os traços de Matheus, para assim aliviar a barra-pesada da sua trajetória pessoal. “O doido era eu mesmo, necessitava manter o controle quando a loucura chegava...” O trabalho de Carrero proclama a hipocrisia das relações sociais no microuniverso familiar, muitas vezes, por alguma falta de amor, ou um modo perverso dele se manifestar. Revela na realidade o grande contraditório do amor, a sua distorção e a sua própria ausência. A essência da loucura está no desamor verdadeiro. Mais uma vez, Raimundo Carrero choca, diverte, provoca reflexões. Desestrutura, mexe.

Raimundo Carrero. O Amor Não Tem Bons Sentimentos. São Paulo: Iluminuras, 2007. 192 Páginas.
pALAVRAS-CHAVE: familiar, crime, relacionamento amoroso
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