CELEBRAÇÃO DA VIDA
Primeiros os preconceitos afloram: livro de putaria... caduquices de um velho... ocaso do escritor com um “livrinho” de pouco mais de cem páginas... Mas, afinal, o homem é prêmio Nobel, senhores e senhoras... Trata-se de uma novela de Garcia Marques, “Memórias de minhas putas tristes”. Seguinte: um jornalista recebeu de Deus o presente de chegar aos 90 anos de idade, fase da vida em que se “começa a medir a vida não pelos anos, mas pelas décadas”. Haveria uma celebração. E porque não de forma bem diferente? Para ser assim teria de ser fazendo um amor inimaginável com uma garota virgem. “Para aquela noite tinha de ser uma donzela”. A trama gira ao redor de a poucos protagonistas, os mais importantes são três: Um não tem nome, é o narrador das reminiscências, na primeira pessoa. A cafetina Rosa é a dona do bordel. Por fim, a Delgadina é a menina moça que, sem lá entender bem o que ocorria, topou o programa com o coroa de 90 anos. Ele, veterano no sexo comprado, solteirão, alegando, com certa ironia: “as putas não me deram tempo para casar” Ela, bem mocinha ainda: Os seios recém-nascidos ainda pareciam de menino, mas viam-se urgidos por uma energia secreta a ponto de explodir”. Bem educada, porém, temerosa: “porque uma amiga dela que escapou com um estivador de Gayra em duas horas tinha sangrado até o fim”. E, o contador das memórias preparou-se a rigor para realizar o desejo que acredita ter sido um sinal que Deus lhe enviou, vestido de acordo com a ventura da noite: “o terno de linho branco, a camisa de listas azuis de colarinho acartolinado com goma, a gravata de seda chinesa, as botinas remoçadas com parafina e o relógio de ouro de lei com a corrente abotoada na casa da lapela”. Na sua cabeça que antecipava o ansioso encontro, pensamentos desencontrados. ...o que é que eu posso fazer se você não gosta de mim? ... “sou feio, tímido e anacrônico”. Entre delírios, o tempo de espera vai gerando lembranças e um verdadeiro balanço das suas coisas: “Minha idade sexual não me preocupou nunca, porque meus poderes não dependiam tanto de mim como delas, e quando querem elas sabem o como e o porquê”, garante a si mesmo. Relembra de si mesmo como se estivesse diante de um espelho, conversa consigo mesmo de sua senioridade, dos seus esquecimentos, das suas distrações. Ri um pouco de tudo, examina até com admiração aquilo tudo que a vida lhe deu, até mesmo o isolamento que o destino caprichosamente lhe reservou: Nunca tive grandes amigos, e os poucos que chegaram perto disso estão em Nova York. Quer dizer: mortos, “pois é para lá que eu acho que vão as almas penadas para não digerir a verdade de sua vida passada”. Enfim, o encontro se dá. Após isso, são múltiplos os desdobramentos. Que incluem, encontros desencontros, tragédias e amores, mistérios. Mas, o certo é que: “Obnubilado pela evocação inclemente de Delgadina adormecida, mudei sem a menor malícia o espírito de minhas crônicas dominicais. Fosse qual fosse o assunto as escrevia para ela, nelas ria e chorava para ela, e em cada palavra se ia a minha vida”. Linguagem, estilo, argumentação de Gabriel García Márquez não precisam ser avaliados, prevalecendo, portanto, o princípio de que “quem foi rei sempre será majestade”. Por tudo, isto, o presente é mais um presente aos seus assíduos leitores de incontáveis best-sellers. Mais especificamente as mensagens implícitas sobre aquilo já consagrado que diz que:...A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente. Lá pelas tantas o autor lamenta:...Os adolescentes da minha geração, ávidos pela vida, esqueceram de corpo e alma as ilusões do porvir, até que a realidade lhes ensinou que o futuro não era do jeito que sonhavam e descobriram a nostalgia.... E, o professor do amor ensina: A paixão do homem pela sua existência não tem admiravelmente limites e para validá-la nada é tão sacrílego, portanto.
Gabriel García Márquez. Memória de Minhas Putas Tristes. R.io de Janeiro: RECORD, 2005, 127 pp.
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domingo, 20 de janeiro de 2008
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