RESENHA
Ernani Xavier
SIN PERDER LA CANDURA, JAMAS!
O texto “O livro dos abraços” causou surpresa nos assíduos leitores de Eduardo Galeano. O jornalista crítico severo dos abusos dos poderes arbitrários que subjugam os hermanos da tripudiada América Latina, também tem a sensibilidade de um poeta. No seu livro o autor constrói um mundo imaginário a partir das suas afeições por pessoas com quem partilhou a vida e por lugares que o hospedaram nesta viagem. Este é o sentido do abraço. Abraça o mundo, abraça a vida, abraça a cada um de nós. Um enorme abraço feito de fragmentos belos e duros já que emocionam, apaixonam, mas também enraivecem, por isso que a editora alerta: “Abra este livro com cuidado: ele é delicado e afiado como a própria vida. Pode afagar, pode cortar. Mas seja como for, como a própria vida, vale a pena”. O autor mostra que a história pode ser contada a partir de pequenos episódios onde não necessariamente deva haver repentes de heroísmos, mas tenham, sim, de refletir a paixão dos homens pela vida e pelos outros homens. Um forte e demorado abraço aos pedacinhos que são pedacinhos da grandiosidade da alma do seu autor: “Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta”. “As coisas caem dos meus bolsos e da minha memória: perco chaves, canetas, dinheiro, documentos, nomes, caras, palavras... Eu ando de perda em perda, perco o que encontro, não encontro o que busco, e sinto medo de que numa dessas distrações acabe deixando a vida cair”. “Dormirás tranqüilo, aninhado no conforto da falta que eu te faço. Morrendo devagar, partícula a partícula... Os teus órgãos arrefecem - há quanto tempo não te arde o coração?” “Minhas certezas se alimentam de dúvidas. E há dias em que me sinto estrangeiro em Montevidéu como seria em qualquer lugar do mundo. E, nestes dias, dias sem sol, noites sem lua, nenhum lugar é meu lugar, e não consigo me reconhecer em nada nem em ninguém. As palavras não se parecem ao que se referem e nem sequer se parecem aos seus próprios sons. Então não estou onde estou. Deixo o meu corpo e me vou longe, a nenhum lugar. E não quero estar com ninguém, sequer comigo e não tenho, nem quero ter, nenhum nome. Então perco a vontade de chamar-me ou de ser chamado.” Estes são alguns sentimentos de um homem sensível e duro. Duro a ponto de se perguntar: “Até quando os horrores continuarão a ser chamados de erros?” Até quando continuaremos a aceitar, como se fosse costume, a matança de iraquianos, em uma guerra cega que esqueceu seus pretextos? Até quando continuará sendo normal que os vivos e os mortos sejam de primeira, segunda, terceira ou quarta categoria? Somos a única espécie animal especializada no extermínio mútuo. Destinamos US$ 2,5 bilhões, a cada dia, para os gastos militares. A miséria e a guerra são filhas do mesmo pai: como alguns deuses cruéis, come os vivos e os mortos. Até quanto continuaremos a aceitar que este mundo enamorado da morte é nosso único mundo possível? Pois é! Carecemos de um grande e fraterno abraço. Um afago que se sobreponha á estupidez. Um abraço que congregue homens de todos os cantos do mundo, antes que não haja nenhum canto para se abraçar. Galeano é escritor e apóstolo. No silêncio da sua mesa ele acalenta um sonho e multiplica-se em emitir sons para surdos. Mas, o faz incansavelmente.
EDUARDO GALEANO. O LIVRO DOS ABRAÇOS. Porto Alegre: LPM, 271 PÁGINAS, 2005.
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PALAVRAS-CHAVE: contestação política, engajamento, humanismo
domingo, 27 de janeiro de 2008
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