domingo, 20 de janeiro de 2008

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

UMA HISTÓRIA NARRADA PELA PRÓPRIA MORTE

O autor é Markus Zusak, um carismático jovem australiano de apenas 32 anos de idade. O livro foi fenômeno de vendas na última Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, 2007. O enredo é uma ficção com base na cruel realidade da perseguição dos judeus na Segunda Guerra Mundial. O autor que, embora não tenha vivenciado o holocausto, cresceu ouvindo histórias de perseguições, fugas e extermínios. O texto é narrativo e quem conta a história é a própria Morte, na primeira pessoa. Sem o imaginado tom sinistro que lhe seria próprio, mas de compadecimento e ternura, em especial, para com a protagonista principal, a menininha alemã, Liesel, de apenas nove anos de idade. A morte, por si mesma, foi uma companheira sua durante o livro inteiro a começar pelo seu irmãozinho, “menino que tinha cabelos de cor de limão”. No enredo, a morte continua ceifando os seus melhores amigos em fuga frenética, nocauteados por bombardeios malvados. Na trama, afinal, quase todos acabam morrendo. A própria Liesel se deparou com a morte algumas vezes e o fato de a ter superado lhe impressiona a ponto de questionar fortemente o sentido da vida e da sobre vida. Hans é um protagonista muito especial. “Olhos de prata” e coração de veludo, ser humano bondoso e compadecido. O texto também contempla dimensões surpreendentes e sutis da cultura e das tradições germânicas. O primeiro livro raptado foi o “Manual do Coveiro” derrubado da mala do jovem que sepultara seu maninho. Ao todo, foram quatro anos de pequenos roubos de livros. A menina obteve dos livros palavras que lhes serviram de significativos “conceitos” para toda sua existência.
No enredo aparecem namorados que ela nunca teve e melhores amigos quase irreconhecidos. Entre a simbologia escolhida pelo autor estão o livro e a morte. O símbolo livro representa no texto, um recurso de vida, no geral, a própria vida. O símbolo morte adquire surpreendente significação. O sadismo nojento (esqueleto, manto negro, foice...) da figura ocidental de morte é substituído por uma imagem bem humanizada e, pasme o leitor, bondosa. Como narradora da vida, aqui da vida de Liesel, a Morte percebe traços de altruísmo e benemerência no ser humano. Refere-se a árvores, nuvens como parceiros seus, colegas seus. Portanto, homens, natureza, vida e morte, tudo faz parte de uma coisa só, a existência dos seres humanos. A narradora mostra aspectos surpreendentes da sua personalidade, enquanto Morte. Ao narrar a vida demonstra reconhecer o seu valor intrínseco, suas cores, seus momentos, as tristezas e as felicidades, as sobrevivências, as amizades e os amores. Inocenta o furto sendo este nada mais que um refúgio, recurso de companheirismo e sobrevivência. Instrumento do solidário.
Mesmo tratando de extermínios, tragédias, destruição, guerra, ódio, abandono, o livro encerra uma mensagem super otimista. Mostra com singeleza e beleza, que a generosidade humana pode sobreviver nas condições mais adversas. Enfatiza contrastes como aquele entre a inocência e o grotesco, a ingenuidade e o brutal. O livro mexe com a cabeça do leitor, com o seu corpo inteiro, com a sua mente e com a sua vida. Cuidado leitor, a ingênua menina que furta livros, no final da história, quase que por encanto, pode furtar o seu coração!

A Menina que Roubava Livros, tradução de Vera Ribeiro, Editora Intrínseca, 500 pp.

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