domingo, 20 de janeiro de 2008

A MULHER CERTA

RELAÇÕES EM FALÊNCIA

A crônica policial “A mulher certa” é o último livro do autor húngaro, Sàndor Márai. Inicialmente produziu o seu trabalho no seu idioma natal durante os anos de 1928 e 1948. Mas, os seus livros foram submetidos á censura e ficaram esquecidos até o final do século passado. A trama deste romance é relatada por três protagonistas em três longos monólogos que revelam conflitos amorosos e traições. Os conteúdos são construídos por sentimentos de amor e desamor, ciúmes, solidão, pensamentos suicidas. Diversos protagonistas construíram com suas vidas em paralelo, um gigantesco mosaico feito de destroços da alma humana. Na primeira parte do romance, uma mulher (Marika) conta como acabou sabendo da traição do seu marido. O cenário aqui é a cidade de Budapeste. Comenta com sua confidente o quanto sofreu para reconquista-lo. Já, coincidentemente, aí mesmo, em Budapeste, um cara (Péter) procura um amigo para confidenciar como e porque deixou a sua esposa, fortemente induzido por uma paixão irresistível. Num outro cenário, aqui em Roma, uma mulher de origem bem humilde (Judit), confessa ao seu amante as razões que a levaram procuram um casamento com um homem rico e as dificuldade com que se deparou para sustentar uma complicada relação. Em todos os casos um denominador comum a insustentabilidade das ilusões e o quanto elas influenciam o fracasso dos relacionamentos amorosos. Todos os relatos refletem um impressionante senso de realidade dos narradores. Marika, Péter e Judit esforçam-se além das suas forças para lidar com sentimentos corriqueiros, mas, fundamentais para a vida de todos: a própria vida, a paixão enlouquecida, o abandono e a morte. Uma obra edificada na penumbra de alcovas, nos segredos guardados a sete chaves, nos enigmas difíceis de decifrar. Tudo tecido em um novelo intrincados de muitos fios de pontas desencontradas, cores fulgurantes e surpreendentes revelações, do início ao fim. A narrativa vibrante sugere um turbilhão de emoções particularmente fortes. ”Certo dia, acordei e senti que ela me fazia falta... É a sensação mais aviltante. Sentir a falta de alguém. Olhas à tua volta e não compreendes. Estendes a mão, nesse gesto hesitante com que procuras um copo de água, um livro. Tudo na tua vida está em ordem, os objetos, as pessoas, as reuniões programadas, e não se alterou a tua relação com o mundo. Só que te falta qualquer coisa. Mudas as disposições dos móveis… Mas, não se trata disso. Não. Vais viajar. A cidade que há tanto gostavas de ver, recebe-te em todo o seu grave esplendor...”A linguagem transborda em sutileza e sensibilidade. Márai mergulha com mestria no labirinto da alma dos homens para garimpar dimensões preciosas da intimidade da sua singular antropologia. “Roçam sobre ti olhares de ternura, que observam a tua solidão, ou, numa serena superioridade, te seduzem, enviam mensagens, olhares femininos que soltam minúsculas centelhas”. A nota mais baixa na obra do escritor húngaro, Sándor Márai é aquela que daríamos ao seu suicídio, aos 98 anos de idade, seguido de uma cruel crise de depressão, ocorrido em San Diego, na Califórnia. Com um trabalho inimitável Sándor Márai, preferiu assistir lá de cima o sucesso dos trabalhos que foram cortados de modo cruento por instrumentos ideológicos, limitativos à arte, á consciências e aos corações dos homens. Aqui, continuaremos à procura de homens certos e mulheres certas para motivar as nossas enigmáticas e irrefreáveis paixões. Que Deus guarde com Ele, este anjo das letras.
Sàndor Màrai. A mulher certa. Lisboa: D. Quixote, 2007, 424 pp.
http://planetalivros.blogspot.com/

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