O PREÇO DA ESCOLHA
Cajango é o protagonista nuclear do romance de Adonias Filho, “Corpo Vivo”. É dele o corpo que conseguiu sobreviver ao ataque dos jagunços que quiseram se apossar das terras da sua família. A tragédia marca a trama inteira, do início ao fim. A posse da terra era disputada acirradamente, a cada metro quadrado, para o que, tudo valia, sem nenhum limite legal ou ético. “O mundo é muito grande – Alonso disse – mas querem as terras de Januário”.. Aquelas terras valiam ouro e os Bilá tinham um exército no rifle. Que Deus guardasse o compadre Januário!”. Seu Januário era o pai de Cajango.
No sertão não tinha lei, não tinha Estado. E cacau valia ouro. As brigas eram um jeito de relações interpessoais neste rude e selvagem espaço humano. Era a forma de se obter a posse de roças fecundas. Por ali, terras boas para o cultivo do cacau eram fonte de riqueza e de discórdias. Agricultores eram expulsos ou mortos como aconteceu com Januário e a sua família, menos Cajango.
A rudeza das inter-relações humanas é refletida em cada personagem da novela, mostrando a dificuldade de uma vida sem justiça. Daí que ”a chacina da família de Januário foi a forma encontrada pelos Bilá para se apossar das suas terras da Fazenda Limões onde já vicejava o ouro, sob o nome de cacau”.
Entra na trama o índio Inuri, tio de menino Cajango, que o adota e o cria com o propósito de torna-lo um vingador. Foi para tal fim que o adestrou e o motivou, todos os dias, ao longo da sua infância e juventude. Em conseqüência disso a “escola” do tio Inuri era rodeada de um clima composto de sentimentos de ódio e vingança. “Era para isso que ele vivia. Era assim que o seu tio o tinha criado...”.
A surpreendente virada no jogo se dá quando Cajango apaixona-se por Malva. Isto não teria nenhuma importância se ela não fosse do sangue ruim dos jagunços.
E, por fim a vingança não se fez. Malva tocou forte o coração de Cajango. ...”Depois que Cajango conheceu Malva nunca mais foi o mesmo...” “Por causa dela Cajango enfrenta Inuri matando-o...”. Cajango deixa para trás o mundo que conhecia. Parte em busca da realização do seu amor em um lugar seguro para si e para o seu novo jeito de viver. “Para ele, a mulher significa a sensação ainda não experimentada de amor, de segurança, um ninho a ser construído...” É assim que a ficção trágico-romântica do “Corpo Vivo” revela a capacidade do homem para realizar a sua escolha existencial na tarefa da construção do “si mesmo”, a necessidade que as pessoas têm de afirmar a sua identidade, a essencialidade da busca do ser autêntico, verdadeiro, mesmo que transgressor, embora para isso haja um preço pesado a ser pago.
Adonias Filho, CORPO VIVO, 25a ED. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993.
domingo, 20 de janeiro de 2008
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